Nunca fui muito apegado a café. Sempre considerei o grão uma daquelas coisas que tem o cheiro muitas vezes melhor que o gosto, como a pipoca doce industrializada, o churrasco de cupim e algodão doce. Mesmo assim, cresci numa família de pessoas que tomam café, como a maioria das que existem no Brasil. Minhas avós – paterna e materna – sempre foram apreciadoras de café, assim como minha tia, que fumante desde cedo, tomou gosto pelo café tão rápido quanto pelo cigarro. Minha mãe toma, no mínimo, duas xícaras de café com leite por dia, todo dia, há mais ou menos uns 20 anos. E acho que foi por causa da minha mãe que descobri que, mesmo não gostando do café preto, com leite ele desceria muito mais fácil.
Meu avô paterno também preferia café com leite, e meus amigos da rua costumavam tomar isso no café da manhã, ao invés de leite com qualquer outra coisa. Eu sempre gostei muito do leite. Tomava leite puro a qualquer hora do dia e até causei uma certa tensão familiar quando perceberam que meu vício em leite estava custando caro para as finanças da casa da minha avó, onde eu passava a maior parte dos dias. Sendo assim, seria natural perceber que com leite, qualquer café de merda seria muito mais agradável ao paladar. Ao menos ao meu.
O tempo foi passando, fui desenvolvendo um estômago hereditariamente frágil, descobri que tudo me dava azia e isso, de uma vez por todas, destruiu a presença do café puro na minha vida. Ele retornou, tímido e sem muita perspectiva de permanência, nos meus últimos meses trabalhando na redação onde passei os últimos três anos da minha carreira de jornalista esportivo. O sono era muito, o tempo era pouco, a energia era nula e o café resolvia os três problemas. Eu sabia muito bem como controlar um pico de glicose e administrava doses cavalares do pó branco em copos de até 300 ml de café, quatro vezes ao dia, durante as semanas de fechamento das edições.
O tempo passou, eu pedi demissão, parei de tomar café e comecei a namorar com a Juliana em Junho, que é o comecinho do inverno. A gente costumava ir à padaria, tomar coisas quentes e a minha paixão por bebidas derivadas de café que podem me ser não-letais começou a voltar. De lá para cá, sempre que faz frio a nossa bebida padrão é o cappuccino, que agrada gregos, troianos e brasileiros. Chocolate, leite e café, em dosagens misteriosas de um estabelecimento para o outro, mas sempre agradáveis. Acabei me tornando um viciado em terminar noites frias em padarias, com ela, tomando cappuccinos. Muitas vezes nem estou com frio e me contento em vê-la tomando a mistura padrão, enquanto estrago tudo tomando água, suco ou qualquer outra coisa gelada.
Pois bem. Acontece que hoje, um dia que tirei para ficar em casa trabalhando em coisas atrasadas e trabalhosas, senti vontade de tomar um cappuccino. Tem uma padaria aqui na esquina da rua onde geralmente tomo café, almoço e, algumas vezes, janto. Sou um frequentador diário da Panificadora Caiubí. Acontece que a minha vontade me gerou um questionamento: mas vou sem Juliana? Minha namorada gosta de fazer coisas pra caralho quando eu estou ocupado. É como se, quanto mais ocupado eu estou, mais ocupada ela estivesse de estar. Marcou unha, mão e pé, cabelo, foi buscar um casal de amigos no aeroporto, ficou até além do horário trabalhando na escola, foi para a academia e depois de lá é muito provável que invente outra coisa para fazer.
A resposta para minha pergunta, diante disso, teve de ser “sim, vou sem Juliana”, e no segundo seguinte minha vontade havia passado. Acontece que mais do que uma bebida, um sabor ou ritual, o cappuccino se tornou uma combinação complexa de sabores e sensações que precisam se completar para gerarem prazer. Tomar aquela merda sem Juliana seria o mesmo que comer macarrão sem queijo ralado: é bom, mas não traz prazer. Eu não ia me sentir feliz, nem teria meu desejo saciado, se tomasse meu cappuccino sozinho, então não fui. Acontece que a gente, ao longo da vida, cria hábitos e tem vontades que vão muito além do aroma e do paladar: criamos rituais afetivos e estes, se não forem realizados à risca, não surtem o efeito desejado.