“Quanto você aguenta?” Dá de cara com a tentação e freia, aperta os punhos, range os dentes e segura a onda. Não é fácil, não foi feito pra ser fácil, mas tem que aguentar. Deixa a criançada brincar, fuma teu cigarro e vai dormir. Não é pro teu bico.
Vai chovendo lá fora, é época de temporal nas cidades, embaça os vidros, esquenta dentro, esfria fora e não acaba antes do último suspiro. É época de temporal dentro das pessoas, afogadas em bebida ou lágrimas. Quando tudo sai do controle, quando vai tomando forma e já não dá pra voltar atrás você faz o quê? Aguenta?
O problema é que o hormônio fica no ar, pairando, soprando e invadindo a boca e o nariz, mas não é pra você, nem por você e nem será. Então a questão não é se você aguenta ou não, mas sim, se você aguenta ser obrigado a ficar de fora. Arrepia na pele, mas é só para os olhos, não dá pra chegar mais perto. Conta as gotas, conta as roupas, conta os beijos e cospe pela janela, come um Trident, toma uma cerveja e relaxa essa pica. Não é teu rolê!
Vai passando pelas ruas, o pé começa a ficar pesado no acelerador e os vidros vão ficando embaçados de novo. Estica o dedo, escreve uma dedicatória, um epitáfio, faz um desenho e se acalma, segura a onda, tem muita coisa misturada nesse ar, respirar esse tipo de coisa faz muito bem, mas hoje não. Hoje não é teu, não é coisa pro teu nariz.
Abre os vidros, aumenta o som, sente a garoa entrando e vai, acelera, não tem radar, não tem farol, não tem mais o que fazer. “O quanto você aguenta?”, pensa novamente, perdido no monte de luzes noturnas passando rápido pelos lados, tem sexo no ar, tem tentação ali, a 500 m, 500 cm, 500 orgasmos numa dedada só. Não me deixa dirigir um carro nessa situação, nessa falta de consciência, respirando esse estrogênio todo, esse monte de hormônio dentro da cabine telefônica, na mesa do almoço, na fila da pipoca.
Já ouviu falar em sex appeal? Sobra, ali! Nunca tinha visto coisa igual, só que me surpreendeu sem causar o efeito esperado. Enquanto geralmente eu estaria inebriado, com a cabeça a milhão, pensando nos próximos passos, nas próximas palavras, nos próximos programas, nas próximas músicas, no próximo porre, dessa vez eu pensava na próxima galáxia, na próxima estrela, no próximo planeta, no próximo universo, na próxima dimensão.
Qualquer coisa, mas fora da vida, fora da Terra, fora da realidade. Foi quando a realidade me estapeou, como não fazia há algum tempo. Foi a realidade da gritaria louca no meio da rua, a insanidade de desafios com resposta marcada, com dúvidas certeiras e cheias de lascividade.
Um cara espiou pela janela, olhou puxando a cortina de lado, chamou a esposa e os dois ficaram assistindo, horrorizados, a putaria deliberada que acontecia na rua, na frente da casa deles e eu sabia que estavam ali. Eu vi, eu conheço ele, tem meu nome, eu sei quem é.
Saí para tomar um ar, olhei pro céu sem estrelas, dei risada e relaxei. Fica tudo bem quando você entende que não existe segunda opção, nem meio termo, nem acordo, nem exceção. Me perguntando quanto aguentava percebi que era mais forte do que imaginava, mas não é pra mim. Feromônio no ar e eu respirando oxigênio. Não é normal.