Arquivo mensal: outubro 2011

Hormônio no ar

“Quanto você aguenta?” Dá de cara com a tentação e freia, aperta os punhos, range os dentes e segura a onda. Não é fácil, não foi feito pra ser fácil, mas tem que aguentar. Deixa a criançada brincar, fuma teu cigarro e vai dormir. Não é pro teu bico.

Vai chovendo lá fora, é época de temporal nas cidades, embaça os vidros, esquenta dentro, esfria fora e não acaba antes do último suspiro. É época de temporal dentro das pessoas, afogadas em bebida ou lágrimas. Quando tudo sai do controle, quando vai tomando forma e já não dá pra voltar atrás você faz o quê? Aguenta?

O problema é que o hormônio fica no ar, pairando, soprando e invadindo a boca e o nariz, mas não é pra você, nem por você e nem será. Então a questão não é se você aguenta ou não, mas sim, se você aguenta ser obrigado a ficar de fora. Arrepia na pele, mas é só para os olhos, não dá pra chegar mais perto. Conta as gotas, conta as roupas, conta os beijos e cospe pela janela, come um Trident, toma uma cerveja e relaxa essa pica. Não é teu rolê!

Vai passando pelas ruas, o pé começa a ficar pesado no acelerador e os vidros vão ficando embaçados de novo. Estica o dedo, escreve uma dedicatória, um epitáfio, faz um desenho e se acalma, segura a onda, tem muita coisa misturada nesse ar, respirar esse tipo de coisa faz muito bem, mas hoje não. Hoje não é teu, não é coisa pro teu nariz.

Abre os vidros, aumenta o som, sente a garoa entrando e vai, acelera, não tem radar, não tem farol, não tem mais o que fazer. “O quanto você aguenta?”, pensa novamente, perdido no monte de luzes noturnas passando rápido pelos lados, tem sexo no ar, tem tentação ali, a 500 m, 500 cm, 500 orgasmos numa dedada só. Não me deixa dirigir um carro nessa situação, nessa falta de consciência, respirando esse estrogênio todo, esse monte de hormônio dentro da cabine telefônica, na mesa do almoço, na fila da pipoca.

Já ouviu falar em sex appeal? Sobra, ali! Nunca tinha visto coisa igual, só que me surpreendeu sem causar o efeito esperado. Enquanto geralmente eu estaria inebriado, com a cabeça a milhão, pensando nos próximos passos, nas próximas palavras, nos próximos programas, nas próximas músicas, no próximo porre, dessa vez eu pensava na próxima galáxia, na próxima estrela, no próximo planeta, no próximo universo, na próxima dimensão.

Qualquer coisa, mas fora da vida, fora da Terra, fora da realidade. Foi quando a realidade me estapeou, como não fazia há algum tempo. Foi a realidade da gritaria louca no meio da rua, a insanidade de desafios com resposta marcada, com dúvidas certeiras e cheias de lascividade.

Um cara espiou pela janela, olhou puxando a cortina de lado, chamou a esposa e os dois ficaram assistindo, horrorizados, a putaria deliberada que acontecia na rua, na frente da casa deles e eu sabia que estavam ali. Eu vi, eu conheço ele, tem meu nome, eu sei quem é.

Saí para tomar um ar, olhei pro céu sem estrelas, dei risada e relaxei. Fica tudo bem quando você entende que não existe segunda opção, nem meio termo, nem acordo, nem exceção. Me perguntando quanto aguentava percebi que era mais forte do que imaginava, mas não é pra mim. Feromônio no ar e eu respirando oxigênio. Não é normal.

Não precisava tudo isso

Não seria preciso fazer tudo isso. Eu sei que não porque vivemos em uma época de amores modernos, de menos tradições, códigos de ética e ações planejadas. Somos da época que o amor começa com um SMS e não uma olhada com segundas intenções no balcão do bar. Pra falar a verdade “balcão de bar” é tão 90’s. Hoje a gente bebe na rua, na calçada, vendo o movimento dos carros, fumando um cigarro despretensiosamente, quase como se não quisesse estar ali. Conheço bem as características desse novo romance que toma conta da nossa vida “moderninha”.

Sei bem que hoje em dia o certo é dividir a conta porque o cara que pagava tudo já não precisa fazer esse sacrifício para mostrar que está se esforçando. Também sei que o negócio é ligar uns três dias depois, não no dia seguinte, porque demonstrar que está a fim de alguém é a maior roubada. Se possível a gente nem liga, manda só uma mensagenzinha com um “=]” que é pra mostrar que estamos vivos, que gostamos e que queremos sair de novo. Tudo com só dois caracteres. Somos tão espertos em adivinhar e decifrar mensagens implícitas que a “carinha feliz” diz mais do que qualquer conversa de telefone.

Também sei que ser moderno hoje em dia me da mais chances de conseguir o que quero com menos trabalho do que imaginaria ter. Ser clássico, romântico e performático já não seduz, mas ridiculariza. É bem mais fácil ser tachado de antiquado e estranho ao fazer uma cena, ou declarar meu amor do jeito mais literal e simples de todos, do que não dizendo nada, puxando você pelo braço para um canto escuro e dizendo, simplesmente, que gostei do seu cabelo, ou que seu perfume é gostoso. Hoje é tão simples… e chato!

Essa simplicidade que me dá bode. E foi por isso que eu acordei ouvindo “Can’t help falling in love” do Elvis. Porque não tenho medo do ridículo, nem das demonstrações de amor, nem do próprio amor. Também foi por isso que, ao invés de checar quem vai fazer show essa noite eu fui atrás de quais restaurantes tinham mesa para reserva. Também foi por isso que eu escolhi flores que combinassem com a sua personalidade, coisa que pouca gente sabe que existe. Não precisava, mas eu quis assim. Essa simplicidade exagerada dos amores de hoje me fizeram ir te buscar em casa ao invés de dizer para nos encontrarmos “lá”.

Não quis beber, nem dançar, nem fazer nada que não fosse ver você, ficar com você, ouvir suas histórias, rir dos nossos assuntos e te mostrar, tão subjetivamente quanto a interpretação de uma “carinha feliz”, que eu gostei de você. E da sua franja também, e do seu perfume também, mas que não foi só isso. Não quis que fosse simples porque você não é qualquer uma, nem qualquer coisa, nem seria, e gente especial pede ocasiões especiais. Mas como ter uma ocasião especial sendo tão moderno, te levando aos mesmos lugares, tendo as mesmas atitudes de sempre?

Não precisava de tudo isso, eu sei. Mas você merecia tudo isso, só que não sabia.

Pó de estrela

Somos todos feitos de pó de estrela! Pode até parecer viagem, mas prestar atenção a essa frase muda muita coisa a respeito de como pensar e agir em relação ao que somos. Somos pó de estrela querendo ou não, acreditando ou não, porque o universo escreveu assim, numa folha preta imensa, cheia de pintinhas brancas, e uma delas se tornou outra coisa, e outra coisa se tornou alguma coisa que se parecia com você. E comigo.

Da próxima vez que estiver de olho no céu noturno e achar as estrelas lindas, ou pensar na noite estrelada como uma coisa especial, lembre-se de que somos feitos disso. E algumas pessoas (agora, a meu ver) devem ter sido originadas à partir de estrelas bem mais nobres. Tenho me ofuscado algumas vezes em lidar com pós de estrelas que brilham mais do que sua própria matéria prima. Se todo ser humano soubesse o quanto é raro, ou se, mesmo que apenas por alguns segundos no dia, percebesse que não existe outro igual, a vida seria muito mais emocionante.

Existem talentos presos dentro de corpos que não me multiplicam, nem se expandem. É preciso conhecer as pessoas a fundo, por dentro, para perceber que não são corpos, mas estrelas minúsculas, pequenos pedaços de pura luz andando entre nós. Vai se apaixonar por uma estrela azul, por exemplo, pra ver o que é bom pra tosse. Machuca o peito até não poder mais, porque vai querer o brilho todo para si, mas estrelas não se dão a ninguém. Vai sofrer, então, igual a um bicho moribundo perdido no nada, sem saber o que fazer, sem coragem de se afastar, sem estrutura para ficar e, quando perceber, verá seu sorriso estrelado irradiando alegria para todo lado. Ninguém controla uma estrela dessas, mesmo que também seja estrela.

Se todos somos feitos de pó de estrela, é natural que nos sintamos atraídos pelo próximo, pelo anterior e assim vai. O problema disso tudo é que os que são feitos dos raros pedaços de estrelas diferentes do da maioria chamam atenção demais, são cobiçados demais, mas são únicos, indivisíveis e intransferíveis. Já são donos de si mesmos e não se darão a ninguém, nem pela luz, nem pelo amor, nem por qualquer outra coisa que brilhe. Mas são raridades. O importante é que, caso tenha a felicidade, ou azar, de cruzar o caminho de uma dessas pessoas, que saiba usar sua própria luz para guiar-se, sozinho, de volta para casa.

Tem sempre alguém esperando ser iluminado por uma luz como a sua. Parece papo furado, mas a verdade é que se as pessoas gostam mais de umas do que das outras, se têm afinidades diferentes com cada indivíduo, não é por acaso. E se gostamos mais de uns do que de outros, pode ser que gostem mais de nós do que gostam dos outros também. Se somos todos feitos de pó de estrela, não podemos ter tanta qualidade, ou defeitos, que não estão presentes no outro. Saber que se é feito de uma matéria prima tão nobre é das coisas mais tranquilizadoras que existem, pois mesmo nos momentos de dúvida fica fácil saber que somos lindos. Estrelas são lindas.

Alguns vieram de estrelas brancas, enormes, que deram origem a gente serena, inteligente, que sabe apaziguar e revolucionar sem fazer alarde. Outros parecem frutos de estrelas amarelas, alegres, explosivos, enxergam longe e vão até os últimos limites. São bem parecidos com os que vieram de estrelas vermelhas, com a diferença de que estes arriscam tudo, de uma vez, num pulo só e não têm, estranhamente, medo da morte. Sabem que a morte é passagem e que quando morrerem, como estrelas que são, darão origem a lindos buracos engolidores de existências. Mas meu medo são das estrelas azuis, essas que enganam de cor fria com temperatura quente.

Essas azuis são as que engolem novas vidas, que iluminam novos caminhos e aparecem em universos já devastados. São como esperança em mão de suicida, ou dinheiro em posse de gente ruim. São o resto do que falta para o mundo acabar e, ao mesmo tempo, são a origem de todo o resto. O resto, no caso, pode ser minha vida, teus gostos, meus desejos, teus sonhos, meus medos, tua tolerância ou até o nosso maior amor do mundo. Mas nada brilha mais do que nossa própria existência. Nada brilha mais do que o pó da estrela que formou você. Esteja certo disso!

Barba Cativa

Deixa eu ser tua barba cativa! Não sei como você vê isso, mas não penso estar pedindo muito. Deixa eu te ocupar a noite toda, nessas madrugadas de sábado quando não se tem nada bom para fazer ou quando simplesmente não se quer sair de casa. Posso ficar com você, ou te trazer pra ficar comigo. Te ofereço meus ouvidos pros teus problemas ou pras tuas loucuras, que eu sei que são muitas. Te ofereço meu braço pra apoiar tua cabeça, meu peito pra apoiar a tua mão e a minha barba para você olhar quando quiser ter certeza de que está com um homem. Porque está em falta, hoje em dia, homem de verdade. Mas caso a horizontal te dê preguiça, posso tocar pra você entre um round e outro. Faço uma música falando desse teu olhar incisivo, do seu corpinho rico em elogios e pobre de pudor. Você sem roupa é pura pornografia. Mas faço um poema sobre a tua boca, se preferir algo mais intimista. Só não faço a barba, porque sei que sem ela não tenho chance alguma com você.

Mas não me leve a mal. Não é amor, nem paixão, é só uma distração saudável para quando você estiver por aqui, pela cidade, passando uns dias de bobeira, só pra visitar. É coisa pouca. Come uma pizza, vê um filme e depois me liga como quem não quer nada, perguntando se a minha barba está fazendo alguma coisa e me chamando pra me juntar ao seu ócio doméstico. Aí a gente apaga as luzes e você vai com esse teu jeito de mulher livre largando as roupas pelo caminho da porta até o quarto. Vai andando com aquele olhar malicioso por cima dos ombros, meio na ponta dos pés e eu vou, com a minha barba, seguindo teu perfume pra te cobrir de noite. Não seria capaz de oferecer minha barba de dia. Nem mesmo sabendo desse teu pescoço e do arrepio que te causa sentir o roçar nos teus ombros. Acho que funciona com toda mulher, mas com você parece tão mais elétrico, tão mais intenso.

Quero ser tua primeira opção nessas ocasiões, nessas noites em que, por mais que exista todo chocolate do mundo, nada vai te deixar mais satisfeita e feliz do que um cara para bagunçar a tua cama. Já sei da tua liberdade, do teu senso de individualidade e de tudo que você gosta de demonstrar para deixar claro que não se prende. “Eu não me prendo”, você diz. Pois saiba que não estou vendendo a minha barba, nem alugando, se é o que parece. Estou propondo uma troca de vantagens iguais. Te ofereço minha barba enquanto você me oferece teu corpo, e te prometo não ir embora até que você esteja satisfeita de me ter. Não só a mim, mas de ter minha companhia, a presença de alguém no teu quarto, a presença de alguém na tua vida, mesmo que por poucas horas. Mas te juro: não tenho muitas exigências.

Sei bem da tua selvageria e tara por contatos íntimos e intensos, mas duvido bastante que você não seja como a maioria das mulheres. Mesmo no seu melhor estilo único e canibal, ainda acho que uma noite dormindo de conchinha, um bom dia com beijo na testa e um suco de laranja em copo de vidro te ganham. Por dentro dessa linda ninfomaníaca adoradora da solteirisse eu ainda vejo um ser que prefere mais o contato e a experiência do que o rótulo e o compromisso. Por isso digo que quero ser tua barba cativa. Não quero teu amor, nem teu tempo, nem tua presença. Não quero tua cobrança, nem tua devoção, nem mesmo sua preocupação com a minha saúde, ou meu futuro. Quero teu corpo, teu cio, teu desejo infinito e depois de tudo vou querer o caminho da rua, a porta da casa aberta, o teu corpinho magro e sexy enrolado em um lençol branco amassado e teu sorrisinho cínico na porta dizendo “foi bom te ver!” Foi bom te “ter” seria a frase certa. Ter a mim e a minha barba, que depois vai esperar muito tempo até o telefone tocar e ser questionada se tem programa. Minha barba estará sempre de bobeira vendo TV. Ao menos sempre que for você ligando pra ela.