Acendem a luz e eu não consigo escrever. Tem alguma coisa de vampiro de quinta categoria em mim porque tudo o que é no claro não funciona muito bem. Lembro quando tinha uns 15 anos que minha mãe viajou durante um feriado e me deixou em casa sozinho com liberdade para ir para onde eu quisesse. Passei cinco dias sem abrir as janelas nem as cortinas, só saí uma vez, de noite, para comprar comida. Não sei criar na claridade. É como se o dia fosse feito para executar coisas, lembrar, falar, comer, fazer e viver. Quando acaba a luz natural é hora de parar e criar, deixar as ideias saírem pra passar, como cachorros presos em coleiras muito longas.
Acabaram de acender a luz aqui. Olhei o relógio, são 18h46, hoje é terça-feira, o Brasil ganhou ontem, se classificou para as oitavas de final, eu bebi duas cervejas enquanto assistia ao jogo na casa de uma amiga que mora perto daqui e depois chegou hoje, o dia de trabalhar o dia todo. Entrei às 9h35. Meu horário é às 10h. Tem trabalho demais pra fazer quando a semana anterior é cheia de pausas e feriados e a que começa tem jogo da seleção brasileira. É foda trabalhar, às vezes. Penso em ganhar na mega-sena, ficar rico, morar num catamarã por uns 20 dias e depois gastar tudo. Penso nisso enquanto trabalho, porque tem coisa pra caralho pra fazer e a vida corre.
De dia não dá pra parar pra escrever. Note que a distância entre esse texto e o último é de muitos dias, porque meu momento criativo nunca está disponível para a escrita. Tenho bebido bem pouco. Quanto menos bebo, menos sinto aquela euforia absurda que nos faz pensar que tudo vai dar certo ou errado, sem meio termo. Era dessa euforia que eu costumava tirar textos. Agora não bebo mais e quando venho criar perco tempo pensando no que vou escrever. Escrever tem se tornado difícil ultimamente. Trabalhar também. Emagrecer, então, até perdi a vontade de tentar. Mas é que acenderam a luz no fim do dia e eu ainda não tinha pensado em nada bom pra falar.
18h51. Ainda estou pensando em alguma coisa pra escrever. Botei Arctic Monkeys pra tocar. Sabe aquela nova, “Why’d You Only Call Me When You’re High?”, então, é essa. Na música já são três da manhã e rola uma discussão sobre porque uma pessoa só liga pra outra quando está bêbada. Será que agora, sem beber, eu tenho que esperar até três da manha pra ter uma ideia do que escrever? Tem sido foda ser criativo. Fico pensando em coisas muito incríveis para escrever quando estou no metrô, ou tomando café na padaria, ou caminhando para pegar o ônibus. Mas quando tenho essas ideias não consigo anotar, é de dia, é luz solar, e nessa situação eu não crio nada. Fica difícil assim, né? Eu sei.
São 18h56, já não faço a menor ideia de qual era a ideia inicial. Arctic tocando no repeat, a mesma música, sempre a mesma e eu tentando escrever algo. A tela branca, o teclado brilhante e bonito, cheio de marcas de coisas que passaram aqui antes de mim. Vai dar a hora de ir embora e essa tela ainda está branca. Tem uma romantização escrota sobre o momento do branco, a tela branca, o cursor piscando. É puta babaquice isso aí. Quando eu estava na faculdade de jornalismo o povo teorizava milhares de vezes sobre como vencer o bloqueio, o branco, como finalmente ligar as mãos para fazê-las baterem as teclas em formarem o pão de cada dia, mas é tudo mentira. Tem que cumprir o currículo, preencher o espaço das aulas, dar motivo pro povo pagar quatro anos de uma coisa que poderia ser aprendida em dois. Enfim, não tem drama em relação ao branco. É só apagar a porra da luz que sai, pode apostar!
Tô indo embora, valeu, obrigado mesmo viu. Beijo, amanhã eu tento escrever alguma coisa, hoje não saiu.