Eu sempre achei casais de droga incríveis. A gente tem uma maneia fantasiosa de admirar muitas coisas que a gente não faz ideia de como são. Essa é uma delas, no meu caso. Sempre achei que o amor de um casal de drogados era infinitamente maior do que o amor careta. Eu via nos filmes, nas revistas, nos livros e era sempre muito lindo. Aquele sofrimento doentio da abstinência, o suor, as crises de loucura e o mundo inteiro perigoso protegido na figura de uma única pessoa: o par.
Sempre tive graus de admiração para casais viciados em coisas diferentes. Os casais maconheiros, por exemplo: eu sempre projetava naquelas utopias de sociedade hippie, com aqueles amores falando lentamente, com flores, plantas medicinais, gente coloria e sorrindo pra todo lado. Esses, eu, por algum motivo, imaginava que, quando envelhecessem, iam se tornar aquelas famílias de pai gordo, mãe calma, filhos na faculdade e gente da vizinhança admirando. Família de filme americano, sabe? Esses eu admirava menos.
Os casais de ácido e bala eu já curtia mais. Li um livro, uma vez, que os caras se matavam em casa, se odiavam, mas eram viciados em música eletrônica, LSD e anfetamina. Então eles se odiavam durante a semana, não conseguiam dividir o mesmo teto, mas na sexta-feira iam pra uma festa, enchiam o cu de droga e se amavam como se eles fossem as últimas pessoas do planeta. Uma espécie de Adão e Eva do mundo moderno, com suas drogas coloridas, com as músicas tecnológicas, com sorrisos rasgados, o rosto abatido de cansaço e tudo mais. Eles trepavam na lama, no mato, no backstage e viviam um amor doente e visceral. Eu os admirei muito nos meus 19 anos, quando li essa história.
Mas de uns tempos pra cá, nos últimos dois anos, percebi que o verdadeiro amor de droga, o que eu idealizei e criei sozinho na minha mente, é o da cocaína e o da heroína. Os casais criam uma dependência linda, têm uma hipersensibilidade cutânea e ficam se abraçando o tempo todo, se beijando pelados sem sentirem o menor pudor. Eles se amam de um jeito quase canibal, como se ter alguém e ter drogas fosse o único propósito da vida. Eles trocam juras de amor intensas do tipo “nunca vou me separar de você”, “nós vamos morrer juntos”, “nunca vi alguém tão linda quanto você”, “você é tudo que eu tenho na minha vida” e por aí vai.
As juras de heroína e cocaína são sempre com “você”, porque o que é realmente importante, na vida dessa gente, é o outro. É uma doação de corpo e alma, um amor regado a todo tipo de alucinação, a orgasmos históricos e histéricos. De repente a televisão já nem é mais tão importante, e os jornais não dizem nada útil, o mundo começa a ficar marrom, cinza, branco e preto e, dentro de casa, tudo é vermelho sangre, azul royal, verde limão e amarelo ovo. É uma profusão de cores intensas que se mistura com uma dependência e uma devoção que nem nos escritos antigos você acha igual. O amor desse tipo só nasce, verdadeiramente indelével, quando o exagero de consumo de droga já passou faz tempo. Exagerar, para esses, é usar pouco! O nível aqui é outro…
Logo eu, que sempre fui meio careta, achava que o amor da droga era mais forte, mais duradouro e mais real do que os que a gente alimenta com cinema, pizza, amigos e família. Eu achava que o amor da droga era o verdadeiro “dois contra o mundo” que a música diz. Sempre acreditei que dividir uma vida com alguém que alucina como você, que vê o mundo como você, que vê a morte subindo as escadas, caminhando pelo corredor, entrando pela sala e pegando tudo dentro de casa era o máximo da devoção de um casal. É como querer se esconder dentro do corpo do outro, vestir-se da pele do outro, tornar-se um só, invencível, sem medo, sem tristeza e sem fim.
Mas hoje, 24 de outubro de 2012, eu mudei completamente de opinião.