Arquivo mensal: fevereiro 2012

Redecorar

Vem, senta aqui, me conta. Quais são os teus planos pra mim? Estou disposto a todo tipo de loucura, qualquer nível de entrega e tanto faz os riscos que vou correr. Hoje é o dia que marca o início do seu controle sobre a minha vida. E falando assim até parece coisa ruim, parece escravidão, posse. Mas não é! Dou me mundo inteiro de bom grado, com gosto, tudo nas tuas mãos. Vou ficar de fora assistindo você reorganizar tudo, fazer do seu jeito, me moldar para ser o seu encaixe, a sua moldura, o seu vaso pra crescer as tuas flores.

Pode escolher. Me faz trocar o guarda-roupa inteiro, escolhe meu novo corte de cabelo, a maneira como faço minha barba e se faço uma nova tatuagem ou não. Pode escolher. Eu, depois que te encontrei, não tenho mais vontade de decidir nada por mim. Tenho quase certeza de que tudo que você decide é mais acertado e justo do que o que eu escolho. Já faz tempo que tenho dificuldade em comprar roupas, ou em definir que tipo de perfume eu devo usar. Resolve pra mim, me escolhe do jeitinho que você gosta e elimina tudo que não te agrada.

Não me incomoda. Não me parece tirania. É uma devoção desmedida, uma entrega consciente, mesmo absurda e insana. Eu quero mais é que você me desmonte todo, separe todas as peças e reconstrua melhor, mais moderno, mais bonito. Confio tanto no seu senso estético e bom gosto que arrisco dizer que, se fosse possível, deixaria você escolher minha cor de pele, minha altura, meu nome e minha idade. Pode me refazer, me destruir e me remontar. Mas que seja eu! Mesmo que eu não pareça mais comigo, mesmo que não pareça mais com nada, que ainda assim tenha a chance de estar com você.

Eu quero que seja você. Que a mudança venha das tuas mãos, que as ideias venham da tua cabeça e que o mundo se pareça mais com a sua felicidade do que com a minha teimosia. Cansei de tudo, quero só o que você quer.Cansei de querer! Quero só o que você quiser. O mundo é mais bonito quando foi você que fez, você que disse, você que descobriu. É isso, acho que o motivo disso tudo é que me sinto tão bem vivendo no seu mundo que quero me tornar parte dele, sem remendo, sem chegar depois, sem ser agregado. Quero parecer peça original de fábrica, quero pertencer, quero ser isso tudo. Vou deixar você entrar no meu coração e arrumar essa bagunça que o povo fez aqui. Quero te dar a minha vida inteira pra você redecorar igual à sua!

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Calmaria

É a renda na lingerie nova da minha mulher. São os pelinhos loiros que crescem em linha abaixo do umbigo dela, a maneira como me beija lentamente e o esforço que faz para tocar o máximo de centímetros do corpo na minha pele. É um dos melhores remédios que existem. É um “me bate” bem baixinho, quase como um segredo, dito ao pé do ouvido no meio de um encaixe perfeito desses que não precisa de velocidade, só tesão.

É acordar no sábado sozinho e sem ressaca. Sentir a textura do lençol, do edredom e ver o sol entrando sem cerimônias. Acordar, comer fruta ao invés de pão, brincar com o cachorro e respirar com calma. Sentar na soleira do quarto, tocar as mesmas músicas de sempre, no mesmo violão de sempre, pensando nas mesmas coisas de sempre, sem se preocupar com a repetição de emoções. Emoções boas são sempre muito bem vindas.

É dirigir devagar com o vidro aberto, sentir o vento com calma, sem apanhar dele. Ouvir a música nova preferida do momento, seguir para a casa de alguém importante, ou para um evento especial, ver pessoas incríveis, olhar pras estrelas, ter tempo de conversar assuntos sérios e no fim de tudo ter história pra contar. São as coisas simples que me ganham, que me puxam de volta pro centro e me fazem acalmar.

Depois da tormenta tem sempre a calmaria. Essa é uma das leis que eu mais respeito e levo a sério na filosofia da vida dos achismos populares. Meus picos de loucura são tão nítidos que quando vem chegando a calmaria eu me sinto até apaixonado pela vida, tamanha diferença que isso provoca no meu comportamento. É como se eu estivesse correndo muito rápido, muito forte e, de repente, parasse pra perceber toda a paisagem que eu perdi olhando só para a frente.

Estou vivendo o momento sublime de sentir o cheiro da nuca da minha mulher e desejar a vida eterna. De fazer sexo com calma, sem pressa, sem violência e conseguir me sentir mais satisfeito do que me senti na maioria das minhas aventuras absurdas. É época de voltar a tocar Paralamas do Sucesso, Seu Jorge e Skank. Voltar às raízes, passar mais tempo com a minha mãe, viver mais dias de calmaria e menos noites de perdição.

Tô saindo pra trabalhar pensando só em problemas, mas mesmo que tudo jogue contra, ainda tá vazando amor da minha bolsa, das minhas orelhas, de todo canto que eu toco, e isso ninguém pode negar. Tenho vivido num mar de educação, respeito e contemplação. Estou muito mais de ouvir do que falar, de sentir do que proporcionar, de receber e dar na mesma medida, de fazer trocas múltiplas e avançadas. Estou vivendo na calmaria e é bom cultivar essa paz! Abri meu coração pro mundo durante algumas semanas e estou colhendo as frutas que vieram das sementes que o povo planta por aqui.

Absurdo

Era um silêncio muito longo. Os dois sentados em uma pedra alta, bem de frente para a cachoeira, as bocas fechadas e o olhar vidrado. Era uma das coisas mais bonitas que eu já tinha visto e, mesmo sem perguntar, tenho certeza que ela achava o mesmo. Eu estava entregue, com o corpo apoiado nos braços pra trás, as pernas meio dobradas e sem a menor vontade de me mover. Ela, toda bonitinha, sentada com as pernas cruzadas e as mãos nas coxas olhava séria para a água. Eu achava que ela estava meditando, ela devia pensar que eu estava dormindo, mas a verdade é que eu acho que a gente estava pensando na mesma coisa: um no outro.

Ficava um looping infinito daquele barulho grave e firme da água se chocando com as pedras, com o vento, balançando as árvores e movimentando milhares de litros a cada segundo. Depois de um tempo você começa a perceber padrões, sons que se repetem no meio da garganta da natureza que canta. “A cada tantos segundos tal som vai aparecer…” eu pensava. Passava algum tempo e eu acertava de novo, como uma gravação abstrata, era um movimento quase regular. Pensei em falar para ela, comentar dessa coisa dos padrões, perguntar se ela também ouvia. Mas não. Ela estava parada em uma posição tão superior, tão espiritual, que fiquei com medo sequer de olhar, como se fosse atrapalhar ficar pagando pau pra aquele exemplar perfeito de ser humano.

Depois de muito tempo ela se moveu pela primeira vez. Não me olhou, nem falou nada. Esticou as costas, agarrou os cabelos, prendeu-os no topo da cabeça e voltou à posição de antes. Aconteceu alguma coisa, talvez tenha desligado dos pensamentos e voltado a ver a cachoeira, e ela sorriu. Eu do lado, meio deitado, meio levantando, olhava para a cara dela e sentia uma estranha felicidade sem motivo. Era aquelas coisas contagiantes que passam dos outros para nós inconscientemente. Ela não me disse nada, nem sabia que eu estava vendo seu sorriso, mas me sentia extremamente parte daquilo tudo que ela sentia. Era como se, com uma pitadinha de prepotência, eu pudesse me considerar parte daquela felicidade espontânea.

Estava me sentindo meio ridículo olhando para ela daquele jeito. Prestava atenção no movimento dos cabelos, nos pelinhos da nuca que balançavam quando o vento batia e em tudo que fazia parte dali. Fiz um esforço descomunal e consegui desviar a vista, voltando a olhar a cachoeira. Aquela coluna sólida de água ainda estava ali. Era tão sólida quanto as pedras que apanhavam molhadas. A cachoeira era única, e nós éramos os únicos ali, vendo aquele absurdo da natureza que não existia em mais nenhum lugar. Lá embaixo havia um lago fundo, escuro, quase preto, de onde a água surgia. Sim, a água surgia do lago! Saía de lá de baixo com uma violência incomparável, subindo pelas pedras e caindo firme no rio lá no topo. Dali corria para o mar.

Eu nunca tinha visto nada parecido. Era como uma tromba d’água que sugava o recheio do lago, mas não subia rodando. Subia reta, violenta, firme e sólida. Não era difícil ver pedras menores, plantas e peixes sendo arremessados para cima e seguindo o rio no sentido contrário. Era impressionante para mim, mas depois de um tempo a ideia começo a me parecer aceitável. Não fazia ideia de como acontecia, mas eu aceitava o que estava vendo, não questionava, achava bonito e curtia. Ela parecia estar na mesma. Continuava sorrindo, acompanhava o fluxo surreal da água e voltava a olhar a base do lado escuro cuspindo pedras pra cima. Sem querer já estava vidrado novamente, olhando cada cor e cada movimento que fazia, ignorando completamente as milhares de gotas d’água que subiam bem diante dos meus olhos.

De repente olhou para mim e eu, completamente hipnotizado, fiquei sem graça quando ela percebeu que eu a estava olhando fixamente. Ficou me olhando alguns segundos, que pareciam muitos minutos, e depois me sorriu a boca mais linda do mundo, cheia de dentes brancos, franzindo os cantos dos olhos e clareando a vida, o mundo e tudo ao redor. Acho que eu estava apaixonado e existe uma grande chance de que, enquanto ela me olhava com o rosto mais perfeito que eu já tinha visto, eu a devolvia o olhar mais idiota e fascinado que meu corpo conseguia criar. Depois de algum tempo disse: “Não é um absurdo essa cachoeira?”, e voltou a olhar a água que subia. Eu, ainda idiota, olhei para o impossível da natureza escalando as pedras e disse sem pensar: “Absurdo é eu não conseguir parar de olhar pra você!”

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Loba

A gente tinha um trato. E ele não falhava nunca! Ela me trazia umas presas fáceis, um monte de rostinhos inocentes, cheias de inseguranças, cabelos bonitos, olhos grandes e desconfiados, sempre com menos de 21, e eu “abatia” todas. Era meu esporte. Não dava para perder tempo com outra coisa quando eu estava ocupado destruindo adolescentes apaixonadas. Mas ela tinha o hobby dela também. A cada nova presa que ela me trazia, apática e dominada, eu tinha que entregar um alvo para ela, arisco, astuto e com plenas capacidades de lutar até a morte. Eu gostava de saborear um banquete bem preparado e luxuoso, mas ela gostava de caçar o jantar na rua.

Não era difícil a nossa relação. Éramos amigos, falávamos de banalidades, às vezes saíamos para jantar, mas em determinados momentos nosso relacionamento era praticamente profissional. Bolamos um teatrinho que sempre funcionava. Ela precisava de tempo e dinheiro para me conseguir minhas meninas, então eu precisava ser exatamente o que ela havia prometido, caso contrário, tudo dava errado. Então ela descobria informações, virava melhor amiga com uma facilidade impressionante, apresentava para mim e eu aparecia com o carro, o restaurante, o hotel e a fase matadora: “vamos lá fora ver a lua?!” Nosso “jogo” só acontecia em semanas de lua cheia, para não virar vício fora de controle.

Eu era mais calmo. Esperava tranquilo, em casa, o telefone tocar. Buscava a mocinha e no dia seguinte, quando a deixava em casa, tinha a certeza de que a vida dela estaria para sempre transformada. Eu gostava de trabalhos psicológicos avançados e só precisava de uma noite para plantar uma dependência doentia dessas ex-crianças em qualquer coisa que eu quisesse. Construí muitas viciadas em cocaína, fumantes, alcoólatras e tudo de ruim que deu para inventar. Até viciadas em sexo eu formei no meu delírio de destruir a vida de gente inocente. Mas a minha parte era simples, nada que um psicólogo não pudesse resolver. Ela trazia, eu esvaziava a vítima, devolvia para o ninho e pronto, estava satisfeito até o próximo mês. Ela não!

Na verdade, todo esse processo foi criado por ela. Ela queria jogar e eu bolei alguma coisa para receber em troca, só para não ficar no prejuízo. Ela me trazia moças que nem ela conhecia direito, apanhadas em portas de escola, baladinhas juvenis, pontos de ônibus e consultórios médicos. Eu me divertia, deixava minha marca em cada uma, mas nunca interferi na vida da minha parceira, sócia, sei lá como posso chamar uma amiga assim. Mas o trato que ela fez comigo afetava diretamente a minha. Tive muito prejuízo no começo. Pra falar a verdade acho que até agora estou perdendo coisa e gente valiosa. Mas é o preço do jogo.

Ela se interessa em caçar meus amigos. Só os mais próximos, aqueles que eu gosto mais, que vieram de berço comigo. No começo achei que o que eu estava fazendo era traição, mas depois percebi que não. Eu não ludibriava ninguém, não convencia ninguém, não tinha influencia minha nessa caçada. Eu escolhia o amigo, mostrava para ela e dizia só o necessário: “vai lá!” E ela ia, como se eu tivesse caçando animais numa floresta acompanhado de um cão feroz. Eu soltava a coleira, dava um tapinha na bunda e dizia “pegue aquele animal para mim” e o bicho ia alucinado pulando no meio do mato só para matar, mais nada.

Ela salivava. Olhava os caras que estudaram comigo, os que eram meu porto seguro quando estava tudo errado, os nome mais indicados para convidar para uma bebedeira em época de fossa. Ela queria só esses! Aparecia sorridente, simpática, solícita e completamente interessada. Ia caçando corações na minha agenda telefônica e me contava depois sobre o número de ligações que recebera no dia seguinte, ou quantos e-mails desesperados eles enviavam pedindo mais um encontro. Ela ria horrores com o sofrimento dos caras e eu só não me sentia culpado porque ele tiveram o livre arbítrio, a chance de dizer não, de falharem o plano dela. As minhas presas já vinham semi-mortas.

Semana passada teve lua cheia. Já foi. Para o próximo mês eu já sei que vai vir uma bixete da faculdade de direito. É uma época boa para caçar meninas idiotas. Não faço ideia de qual é a tática que ela usa, mas nunca falha. Quando a menina chega aqui já está com os olhos cinzas, a boca meio pálida e me olhando como se eu fosse o último cara do mundo. Minha escolha para ela já está feita também. Vou escolher um amigo dos que gostam de circular entre rodas, que conhece todo mundo, que conversa, que sai pra fumar um cigarro roubado de qualquer um, que não nega um gole de cerveja nem pra mendigo com a boca preta. Do tipo gente boa, acima de qualquer suspeita.

Vou chegar com a minha “lindinha”, soltar a coleira e dizer “vai buscar!!!” e ela vai desmontar mais um amigo meu, mais um que vai ficar um lixo, mais um que vai virar alcoólatra, mais um que vai se drogar pra caralho pra esquecer dela, mais um que vai passar por tudo que as jovenzinhas também passam. Vai dar dó no começo, mas eu já sei o script e no fim todo mundo se recupera, as minhas e os dela. É só pelo prazer de destruir, de tornar mais forte. “Somos Shivas”, ela me disse uma vez. “Destruímos esse tipo de gente que, no futuro, serão tão independentes quanto nós!”, dizia. Eu espero que a independência venha para eles, porque na minha opinião, por mais que seja divertido, somos dependentes da nossa própria brincadeira.

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O texto definitivo

O visor mostrava letras quadradas que deslizavam para a esquerda. LANA DEL REY – OFF TO THE RACES e depois disso foi só ilusão.

Os que vieram antes foram testes, ensaios e treinos. Os que virão depois serão retrabalhos, refilagem de arestas, refazendas e cópias. O texto definitivo do assunto de sempre é este, sempre será e nada, nem ninguém, poderá alterar o que se faz eterno. O definitivo não muda, não cresce, não mingua e não se desenvolve. É eterno, perene, irreparável, incontestável e sólido. Poucas coisas na vida, no mundo e na existência são tão claras e simples quando a definição de algo. Tornar eterno é complexo, mas é necessário para que haja um norte, um ponto de partida ou de chegada, uma referência, qualquer merda que sirva de apoio. O definitivo parte do centro para frente e para trás, mas sua posição nunca mudará.

“I can’t deny the way he holds my hand / And he grabs me, he has me by my heart”

Existem sensações eternas. Coisas que o corpo registra e compara com outras e, por associação natural, deduz se é melhor ou pior do que o que já se sentiu antes. O toque dela, por exemplo, é das coisas que meu corpo nunca esqueceu. Uma pele macia, da temperatura exata para esfriar todo meu calor, dar cor perfeita para registrar todas as minhas visitas, com o cheiro perfeito para roubar minha razão. Passei horas, muitas, escolhendo com a boca qual era o meu centímetro preferido nesse cobertor do que me é perfeição. Nunca encontrei nada parecido.

“White bikini off with my red nail polish /Watch me in the swimming pool”

Eu me divertia vendo o desfile do pedaço do céu por dentro de casa. Eu gostava das cores e da falta delas, do movimento dos cabelos, dos tons pastéis que iam dos lábios pálidos aos pés brancos. As unhas pintadas de cores normais, as roupas de sempre, os vestidos de sempre, os feitiços de sempre. Me deliciava assistindo os movimentos, no mar, em casa, comendo, dirigindo, falando, rindo, me abraçando, dormindo e em todos os lugares. Gostava de ter certeza de que estava viva, bem viva, voando para cima de mim, pra dentro dos meus sonhos e diminuindo minhas horas de sono, minha produtividade no trabalho e minha vida social.

“Be a good baby, do what I want”

No começo eu  incentivava a liberdade e a independência. Gostava de tentar fazê-la perceber que meu senso de liberdade vinha do fato de também querer que fosse livre. Depois o tempo passou, a liberdade fez cama na sala, estava morando lá em casa e eu comecei a exercitar o poder de persuasão. Comi toda a confiança que soprei, engoli a independência e fui pagando caro, bem caro, pela minha fome de ações independentes que eu mesmo incentivei. Comi até as certezas de antes, comi as alegrias, as surpresas e fui plantando uma porção de coisas ruins. Plantei um pé de dúvida gigantesco que foi esticando as raízes pela casa toda e levou embora tudo que existia na nossa hortinha de confiança e cumplicidade. Eu destruí toda a liberdade de nós dois.

“And I’m off to the races, cases of Bacardi chasers /Chasing me all over town /Cause he knows i’m wasted”

Quando percebi que tinha estragado tudo fui buscar o estrago do que ainda restava em mim. Garrafas, garrafas, garrafas, garrafas, copos, plásticos, copos, taças, garrafas, latas, latas, latas, latas, cigarros, latas, papéis, fumaças, garrafas, garrafas, acho que eu vou gorfar, garrafas, garrafas, dia, noite, dia, noite, latas, noite, garrafas, dia, pegaram na minha bunda, garrafas, garrafas, cigarros, garrafas, papéis, copos, taças, noites, muitas noites, muitos erros, intermináveis dúvidas e um comportamento repulsivo aos olhos da sociedade. Fui me bebendo num fim de mundo chamado Eu e quando acabava a garrafa eu tinha dinheiro suficiente para comprar muito mais. Me embriaguei de auto-esquecimento.

“Because I’m crazy, baby / I need you to come here and save me”

Não é novidade pra ninguém que meu remédio tem teu nome no rótulo. Vem num potinho de vidro pequeno, numas cápsulas alaranjadas e eu não sei tomar com calma. Ou não tomo, ou me enfio em overdoses violentíssimas que mudam o rumo de tudo que eu faço. Mas ainda é, e sempre será, definitivamente, a minha única cura. Um tratamento intensivo e agressivo de você, pra me desintoxicar, me salvar, me trazer de volta desse monte de infernos que eu crio pra me divertir quando você não está por perto.

“I’m your little scarlett, starlet / Singing in the garden / Kiss me on my open mouth / Ready for you”

Nunca foi minha, mas gostava de se emprestar para mim. Eu aceitava de bom grado, pintava meus dias com a tua cor e fazia de tudo para que o empréstimo não acabasse nunca. Qual foi a besteira que caiu na minha vida para eu, ao invés de desejar a eternidade, ter cancelado o contrato. Não era um contrato, na verdade. Contratos são prestações de serviço, são acordos, mas a gente não negociava um com o outro. Nunca foi assim. A gente tinha um pacto de amor e atenção. Eu prometi cuidar de você se você prometesse cuidar de mim e a gente selou nosso tratado de cuidados com um beijo que até hoje ecoa no fundo da minha língua, lá em baixo, quase no meu estômago, como se eu tivesse engolido um pedacinho de você quando deu um pedacinho de mim para você comer.

“And he shows me, he knows me / Every inch of my tall black soul”

Eu olhava pela janela, ou ficava debruçado na sacada olhando o sol fritar todo mundo, os carros passarem mais rápidos do que o limite de velocidade permitido e a vida acontecer no parque, com crianças andando de bicicleta e pais orgulhosos planejando uma melhor camada de ozônio para suas crias. Mesmo com o olhar distante, o pensamento mais ainda, eu sabia quando ela estava chegando. Vinha descalça me abraçar, passar as mãos ao redor da minha cintura e beijar meu pescoço como se fosse banal, comum, qualquer coisa. Eu sabia exatamente o que ela ia dizer antes de dizer. Sabia até quando estava me olhando, como se me fosse dado o dom do olho na nuca. A gente falava as coisas ao mesmo tempo e sabíamos quando o outro estava pensando ofensas ou besteiras antes de qualquer boca se abrir. “Seu mindfreak” ela me chamava, e ria, porque eu adivinhava tudo, da cor da calcinha aos planos pro carnaval. Eu, de casa, senti cada abraço, cada beijo, cada lágrima e cada suspiro que ela deu, bem de longe, bem de fora de tudo isso. Existe uma conexão orgânica entre os meus sonhos e a realidade que ela cria.

“Likes to watch me in the glass room, bathroom / Chateau Marmont / Slipping on my red dress / Putting on my make up / Glass full, perfume, cognac, lilac, fume / Says it feels like heaven to him”

Vê-la viver me dava vontade de ser melhor, de emagrecer, de fazer exercícios, de beber menos, de ser mais calmo, de ser mais responsável, de trabalhar mais duro, de fazer tudo dar certo para ser um bom amante, um bom marido, um bom pai, um bom futuro. Eu me segurava nela para fazer de mim seu porto seguro.

“Keep me forever, tell me you own me”

As coisas descambaram de vez quando percebi que tinha me dado de corpo e alma para ela sem ter qualquer tipo de segurança, retorno ou cheque calção. Eu não tinha mais o controle da minha vida, meus dedos digitavam coisas diferentes do que minha mente queria escrever e comecei a mentir para mim para não mentir para ela. Eu sentia medo de decepcioná-la, queria muito, mais que tudo, que fosse feliz, que desse tudo certo, que as coisas fossem boas e no fim de tudo me vi seco, apático, trancado em casa dando tudo que eu tinha para uma causa que já estava muito pesada para carregar sozinho. Fiz o replantio da felicidade fantasiando o futuro de solidão. Nunca fui tão de alguém, sendo de ninguém, quanto sou hoje!

“God I’m so crazy, baby / I’m sorry that I’m misbehaving / I’m your little harlot, starlet /Queen of Coney Island / Raising hell all over town / Sorry ‘bout it”

No começo a gente se preocupava em achar culpados, ficávamos horas, dias, semanas discutindo quem é que tinha pisado na bola, quem foi o último a magoar quem. Mas no dia que a gente percebeu que a culpa era enorme, e dos dois, meio sem querer senti um alívio imenso. Era como se eu fosse um louco caminhando num ambiente de gente normal, incomodado, deslocado, sozinho, e descobrisse que, na verdade, todo mundo ali era tão louco como eu. Era um absurdo atrás do outro, erros de conduta e opinião em série, meus e dela, e a gente ia se arrebentando e levantando assim, pedindo desculpas e aprontando cada vez mais um na vida do outro.

“I need you, I breathe you, I’ll never leave you / They would rue the day I was alone without you”

É uma tragedia anunciada o estrago que a falta de você faz na minha vida. Minha mãe já sabia, no dia em que eu dei a notícia, que ela perderia, por alguns meses, ou anos, o bom filho que tinha em casa. Você sai e entra uma entidade maligna que me toma conta de uma maneira tão maciça e perene que me confundo até olhando o reflexo do espelho. Tudo que é de ruim eu sugo pra mim quando não tem você pra me guiar. É um fato claro, obvio e previsível. Todo mundo chora e teme pelo meu futuro quando não tem a sua cor aqui.

“Boy you’re so crazy, baby / I love you forever / Not maybe”

Ficou difícil, com o passar dos anos, não me viciar nessa loucura que a gente alimentava, regava bonitinha, via crescer e comemorava a cada novo centímetro. É uma loucura tão linda que começou a ser pra sempre, sempre pra sempre, e ninguém tinha mais nada para me oferecer que fosse melhor, maior ou mais intenso do que isso. Não existe droga com briza mais forte do que você com raiva de mim. Eu me viciei e nunca acreditei em ex-viciados. É minha sina!

“You are my one true love”

E no meio desse mundo de incertezas e coisas que parecem e não são, a única verdade incontestável no mundo é que a minha vida foi feita faltando um pedaço, de propósito, uma falha planejada, que foi criada para você concertar, um espaço para você preencher, uma vida pra você completar. Eu estraguei uma porção de planos, destruí um monte de confianças que demorei pra construir e ferrei com muita coisa boa. Hoje eu vejo uma culpa que nunca havia surgido para mim. Não existe nada definitivo. Nem o tempo, nem a presença, nem o amor, nem o desamor que se sente. Não há nada definitivo, nem mesmo este texto, nem mesmo eu e você e ninguém no mundo e todos do mundo. Está todo mundo sujeito a mudanças, faz parte do aprendizado e da evolução.

Eu prometi que não ia mais fazer isso. Também prometi plantar um pézinho de felicidade na nossa vida e prometi que ia ser para sempre, sempre que fosse possível ser. Pelo visto meu fraco para quebrar promessas começou a se tornar evidente. Desculpa, faz parte de mim, é do meu ser, assim como a necessidade de dizer que nada no planeta se iguala a você e suas coisas todas.

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Tempo?

Primeiro pensei que era um sonho. Vasculhava o quarto com os olhos tentando identificar algum outro elemento absurdo. Sei lá, a foto de alguém que eu não conhecia, ou objetos de outra pessoa no meu ambiente, uma cor diferente, algo que comprovasse que eu não estava fisicamente ali. Depois que percebi não estar mais dormindo, suspeitei de uma daquelas alucinações que a gente tem quando vê uma sombra e acha que é alguém, ou quando ouve alguma coisa e tem a impressão de ter escutado chamarem nosso nome. Fiquei olhando, vidrado, tentando identificar algum pedaço do canto da parede, do detalhe do gesso no teto, mas nada. Tinha mesmo alguma coisa ali.

Ficava percorrendo todo o contorno do teto e me subia um frio na espinha toda vez que via aquela sobra escura, mais escura que a própria escuridão, no canto do quarto. Quando a vida se torna incerta assim, mostrando as coisas que desafiam o nosso senso de realidade, é difícil se mover. Eu não conseguia sequer mover minha cabeça. Estava completamente petrificado por um medo que já não cabia e mim e começava a transbordar, saindo pelos poros, encharcando o lençol e escorrendo pelas beiradas da cama, caindo no chão, molhando o tapete e seguindo para fora da porta. Eu estava me derretendo em um medo inédito, até então.

Comecei a respirar ofegante, sentia o cobertor subindo e descendo com meu peito se enchendo e esvaziando de ar. Senti tontura, fechava os olhos e sentia medo de aquela coisa pular em mim. Ficava de olhos abertos e o medo mudava, tinha medo simplesmente de detectar algum movimento, uma luz, um som ou algo do gênero. Eu queria muito que não fosse real. O tempo passou e eu continuava vendo a mancha escura. Meus olhos foram se acostumando com a escuridão e às vezes tinha a impressão de ver um relevo, como se fosse uma espécie de planta, um monte de vasos de samambaia amontoados no canto do meu quarto, tinha umas folhas que pendiam, outras grudadas na parede, mas não tinha certeza.

Consegui, depois de muito tempo, mover o braço e, sem tirar os olhos daquilo, tateei ao lado do corpo procurando o controle da televisão. Senti o plástico frio surgir na ponta dos meus dedos e por alguns instantes pensei ter encontrado a salvação e a solução de todos os problemas do mundo. Apontei para a estante e, mesmo que sem certeza, tive a impressão de que a sombra se movera. Sentia-me acuado, vigiado, como se não fossem mais plantas, mas sim alguma coisa com olhos, dentes, narinas e cérebro. Apertei o botão e o flash de luz clara e colorida me deixou parcialmente cego por alguns segundos.

Era alguém! Tinha pernas, braços, cabelos compridos e parecia respirar. Desisti do medo, da escuridão e de tudo mais. Levantei o corpo como uma máquina que fica em posição de começar a trabalhar e bati a mão no interruptor de luz. Pronto, agora estava tudo claro, nítido e visível, mas não menos assustador. Grudada no canto do quarto, completamente nua, com os cabelos molhados, como se fosse suor, óleo, algo assim, estava minha ex-namorada. Era ela mesmo, não alguém que se parecia com ela, como acontece nos sonhos. Era ela, sem nenhuma dúvida, sem nenhuma roupa, grudada no teto com as costas bem no canto, as pernas dobradas com os joelhos perto do peito e os pés na parede, com as mãos no teto, também grudadas, como se tivesse ventosas, cola, algo assim.

Estava ali, me olhando com olhos de quem não está em sã consciência e, por alguns instantes, senti mais medo do que tudo na vida. Aí ela sorriu e da boca, antes fechada, escorreu um líquido grosso, escuro, que pela cor e maneira como caia e escorria pelo queixo, só podia ser sangue. Sorriu para mim com os dentes manchados de uma mistura de vermelho e marrom e aquilo me arrepiou completamente. Como se fosse normal, esticou as pernas se apoiando na parede e empurrou o corpo em direção ao teto. Veio engatinhando ao contrário, numa posição difícil de explicar, e parou exatamente sobre a minha cabeça. Se agachou no teto – se é que é possível imaginar essa posição – e agora tocava o teto com as solas dos pés e com as palmas das mãos ao lado do corpo.

“A gente precisa conversar, amor! Você tem um tempo para mim?” disse ela, sorrindo muito, estranhamente bem humorada, estranhamente muito doida. Era ela, a voz era dela, era tudo dela, menos aquela cena, aquele sangue e aquele cabelo estranho. E claro, não fazia o menor sentido o fato de ela estar grudada no teto. Fiquei olhando para ela, bem dentro dos olhos, esperando alguma nova reação. Mas ela não fazia nada. Respirava, babava sangue e me olhava vidrada. Depois de um tempo percebi que ela não pisca. Pelo que entendi ela está esperando uma resposta. Quer saber se eu tenho tempo. Sinto que se eu me mover demais, serão meus últimos suspiros. Então estou aqui, pensando, tentando achar uma maneira de não ter “uma conversa” com essa coisa que se grudou sobre a minha cama. Já faz umas 20 horas que eu tô aqui. E ela não pisca!

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Se tiver tempo de ir pra Manhattan

Preciso fazer compra. A geladeira está parecendo uma piada. No congelador tem o peru que ganhei da empresa na véspera do natal, mas está fantasiado de iceberg. Do lado tem uns potes que eu não me atrevo a abrir, deve ser coisa da empregada, sei lá. Prefiro não saber que tipo de monstro está dividindo espaço com a minha comida. Como dizia Bert McCraken, grande pensador contemporâneo: “Saber de nada é melhor do que saber de tudo”, e eu concordo com ele quando o assunto é pote de coisas que estão no meu freezer. Na parte de baixo, onde deveria ter uma variedade incrível de alimentos saudáveis e saborosos, tem sempre o de sempre. Uns limões, uma garrafa de vodca vagabunda, catchup, mostarda, maionese, pimenta Tabasco, uns frios já quase ficando verdes, uma caixa de leite aberta, meia garrafa de Coca-Cola e só. Só não tem mosca porque elas congelam e morrem, se não, com certeza teria!

Mas mesmo vazia, gosto da geladeira daqui de casa. Na porta eu fiz um esquema legal. Jamais daria para fazer na da minha mãe, ou na do meu pai, mas como essa é só minha, faço o que quero “pois é tudo da lei”, e no caso da minha casa, eu sou a lei. Pintei a porta toda de “tinta lousa”, aquela que fica grossa pra caralho, meio áspera, que você passa a unha e arrepia até os cabelos da cabeça. Escrevo um monte de coisa, colo um monte de coisa, fica tudo borrado, manchado e feio, mas é tão legal. Quando a galera vem aqui a gente joga poker na sala e vai marcando as coisas na porta, quem saiu, quanto tinha, quem venceu e tudo mais. Tem uma parte que eu separei pra anotar recados pra empregada, que ela lê, apaga, e escreve uma frase da bíblia no lugar. É osso, mas é melhor do que uma macumba, né?

No momento a porta está com um monte de cartas e contas que eu preciso arranjar coragem pra ler, pagar, resolver e destruir. Tem umas frases de música que as meninas escreveram quando vieram aqui se arrumar pra festa dos caras do trabalho delas, que eu fui de bico. Tem um desenho de um pinto, bem mal feito e infantil, que uma delas fez e escreveu “Andréia xupeteira” para zuar, porque ela contou que chupou o taxista porque não tinha dinheiro pra pagar. Eu dou muita risada com elas, são novas, você precisa conhecer. Tem umas outras coisas, uns endereços, um telefone que eu não sei de onde é e uma listinha de coisas que precisa comprar pra limpeza, que a empregada escreve quando acabam os produtos.

Tirando as contas do banco, na geladeira só ficam coisas sem importância, que podem ser apagadas e recolocadas sem qualquer arrependimento. Os lembretes importantes, as coisas sérias, eu prego num quadro lá no quarto. Agora, como é começo de ano, não tem nada muito incrível. Tem o telefone do encanador que vem resolver o vazamento do ralo do box, que tá pingando no vizinho de baixo, mas que eu ainda não chamei porque não tenho grana pra pagar. Tem o nome do remédio que eu preciso comprar para colocar no ouvido, voltei a ter dores bizarras quando tomo banho muito quente. E tem um post-it no centro, grudado com um alfinete sem cabeça, perigoso pra caralho, mas que serve pra lembrar que aquilo ali é importante mesmo.

É uma mensagem de celular que eu precisava te mandar. Mandei, na verdade, mas estava sem créditos e ela voltou. Anotei num papelzinho e preguei ali pra mandar quando tivesse tempo. Acho que foi há uns dois meses atrás. Vi uma coisinha que me fez lembrar de você, um videozinho simples sobre uma lanchonete que fica em Manhattan. Como sei que você está aí pertinho, pensei de te pedir pra ir lá. No post-it está escrito assim:

“Se ainda tiver tempo de ir pra Manhattan, vai no Prime Burger Restaurant, Midtown. Tem um garçom que trabalha lá há uns 50 anos, ele sabe ver além das pessoas. Diz pra ele que eu disse que você tinha que conhecê-lo, e diga que você será minha mulher.”

Mas o tempo passou rápido pra caralho. Quando vi já tinha passado dois meses, o post-it começou a enrugar e perder o brilho, não duram nada esses papéis. Passou o tempo, eu recarreguei o celular, gastei tudo e já estou sem créditos de novo. Foi ficando, esqueci do vídeo, esqueci da mensagem e esqueci de tudo. Me perdi em um monte de problemas pra resolver, no encanamento do banheiro, na repintura da geladeira, no sofá novo da sala – ah, comprei um sofá novo! – e fui deixando. Só agora, olhando a geladeira vazia, lembrei que você sempre dizia que eu tinha que me alimentar melhor, e quis mandar esse e-mail pra dizer que eu continuo comendo muito mal.

Tenho vontade sempre de te contar as coisas que estou fazendo. Mas achei o post-it cravado no quadro, a geladeira continua vazia, preciso ir fazer compras e não vou mandar mensagem nenhuma, mesmo querendo muito. Afinal, eu não sei o número do seu telefone daí e, além disso, por aqui, no hemisfério de baixo, as coisas continuam ao alcance das mãos. Você tá muito longe, longe de tudo, de mim e das minhas coisas, das coisas me lembram você e do que te faz lembrar de mim. Quando você chegar a gente vê o videozinho juntos. Tenho que ir, hoje é dia de festa, eu não posso me atrasar.

Bjos, sinto a sua falta.

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Jogadora

(esse foi bem fácil de escrever…)

Vai jogar na casa do caralho que eu não sou tabuleiro de ninguém. Não sei quem foi que disse que fazer tipo, ficar no bate-assopra ou dar corda e puxar depois, faz um homem se apaixonar. Não faz nenhuma merda, não dá uma de sabida, você ainda é o projeto da mulher que pensa que é. Por sorte, ou acaso, mulheres jogadoras como você encontram sempre homens desligados como eu, que acreditam e dão atenção, como eu, que querem mesmo agradar, como eu. Na minha tela as tintas da tua armadilha ficam sempre perfeitas. Mas não duram pra sempre!

Mulher jogadora é o que há de mais cansativo no mundo das conquistas. Quer colecionar amores, gosta do celular cheio de mensagens que nunca serão respondidas e deita toda noite na mesma cama, sozinha, pensando no mesmo cara, que não está nem um pouco interessado nos joguinhos que você cria. Não vai muito longe esse hábito de querer manipular sentimentos alheios. Se controlar uma pessoa te faz feliz, compre um vídeo-game, mas não vá  pensar que vidas são fantoches e que o mundo é um palco. Brincar com gentes traz problemas. Dos grandes, enormes. Dos que estragam seu futuro, dos que mudam a maneira como você vê as pessoas que costumava gostar de estar perto. É uma destruição gradativa e infinita.

A graça das relações entre pessoas está na surpresa, na conquista do novo e da troca diária de novas experiências. São coisas muito complexas, envolvem muitos anos de vida, aprendizado acumulado e muita coragem. Não é do tipo de realidade que se manipule ou que possa ser trocada por meia dúzia de desculpas rasas. Estar com alguém envolve uma porção de troca de fluidos, de pensamentos acelerados, de mil ideias por segundo e com isso não se brinca. Quem joga, um dia perde, mas nem sempre, no tipo de jogo que você se viciou, é possível comprar mais fichas e voltar para a mesa outra vez. É uma perda eterna até mesmo para você, uma menina jovem demais para saber o que é não ter algo.

Esses jogos de amor têm um ponto fraco sério e violento. A ganância do jogador em iludir o maior número de corações, aprisionar o maior número de atenções e ter sempre um pau mandado ao lado, faz com que alguns erros sejam cometidos quase sem perceber. A carne é fraca, mas a mão da justiça dos homens é bem forte. E bate duro! Existem alguns tipos de pessoas que podem te colocar de volta no seu lugar para nunca mais sair. Eles vão mexer com o seu psicológico mais sombrio, abalar sua confiança, destruir suas certezas e te tirarem, para sempre, de qualquer disputa. Você será cinza.

Não dá para jogar com quem nutre esperanças sinceras. Dar corda para quem faz planos é a maneira mais simples de fazer uma mente fértil, em pleno funcionamento criativo, parar de planejar coisas boas para dividir com você e começar a planejar maneiras horríveis de você não dividir mais nada com ninguém.

Não dá para jogar com quem é fiel aos amigos e aos próprios valores. Amigos de verdade são mais confiáveis que cofres de banco ou cães guia. Quem ter amor pela vida e sabe o significado da palavra “velhice” não faz uma cagada dessas. Não cai em jogo, não trai a educação que trouxe de berço e não se mistura com gente pequena. Mas castiga, se vinga e gosta de corrigir!

Não dá para jogar com dois irmãos. Irmãos, até mesmo os que se odeiam, possuem a habilidade de se comunicarem pelo pensamento. É uma telepatia assinada, vem de sangue, é do espírito e não se pode controlar. Quando um irmão é enganado o outro, invariavelmente, saberá, avisará e se voltará contra você. Mas agora serão dois. Além disso, um sempre saberá que o outro está com você, ou que sente alguma coisa por você. Não se esforce em colecionar inimigos da mesma família. Não é inteligente.

Não dá para jogar com dois ex-namorados da mesma mulher. Homens têm suas rivalidades naturais, mas também são excelentes estrategistas e sabem, melhor do que qualquer raça, fazer alianças. Se souberem que você está planejando usá-los para atingir seu antigo amor, será seu fim. Acredite: existe mais hombridade na aliança com rivais do que na covardia da omissão e conivência.

Acima de tudo, não dá para jogar com gente que já foi jogador. Um dia, no meio da sua besteirinha de dizer que gosta quando não suporta, de semear sentimentos no coração de gente muito diferente, ou de só manipular a solidão à distância, vai aparecer alguém disposto a entrar no jogo também. Vai comprar fichas, sentar-se na mesa com você e fazer da sua vida um trem desgovernado deslizando sobre o gelo. Vai ser um inferno. Quando pensar que está jogando, está sendo vencida. Quando pensar que está manipulando, está dando passos de marionete. Quando pensar que está no controle, estará completamente dominada. Muita gente que toma remédio para dormir conquistou sua receita médica depois de topar com tipos assim. São coringas num baralho que você mal sabe manusear. Mas eles estão lá, e vão surgir. Quando surgirem, querida, eu vou ter dó de você.

É fato que as palavras machucam mais do que muitas pauladas. As cicatrizes crescem com o tempo, ao invés de sumirem. São fendas no corpo de quem acha que é inteligente o suficiente para desafiar a própria vida e suas leis universais. Não se brinca com o amor de ninguém! Conheço poucos seres humanos capazes de perdoar alguém que os enganou por diversão. Conheço menos ainda que tiveram coragem de repetir o erro com outras pessoas, porque a aventura não vale o prejuízo e só gente que não aprende arranja forças para continuar com os jogos. É errado pensar que você nunca vai perder: todo mundo um dia cai. Sua hora vai chegar, jogadora.

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