Arquivo mensal: agosto 2012

O inventor

Coisas enormes fazem parte de mundos que criamos e nunca mais cuidamos. Somos irresponsáveis por nossas criações e muito responsáveis e zelosos por nossas necessidades. Não damos a devida atenção a tudo que fazemos, mas dedicamos todas as nossas energias às coisas que nunca faremos. Amamos o que não temos, desejamos o indesejável e desprezamos posses valiosas a outros. Somos mesquinhos, por esse ponto de vista. Ontem, lendo um livro que eu tô lendo, percebi que existem coisas imensas acontecendo por nossa culpa, por nossa causa, em nome de nossos nomes, mas não nos damos conta.

Percebi que a minha boca é uma caixa de invenções cujas quais não sei usar nem batizar. Não sei categorizar minhas mentiras, nem meus elogios recheados de neologismos. Invento palavras para expressar sentimentos que ainda não sinto e pinto cores invisíveis para enfeitar sentenças que ainda não foram sentenciadas. Crio palavras com o objetivo de matar dúvidas, torturar mentes, aprisionar corações e ludibriar certezas. Crio, com a boca, essa mesma que me serve de entrada para alimentos e águas, substâncias para “monstruir constros” inteiros. Têm olhos, mente e objetivo, mas não têm nome nem propósito definido. São criações que eu desprezo no exato segundo seguinte após seus nascimentos. Nascem todos os dias!

Meu ventre, esse ventre proeminente, que gera vida como as mulheres, mas não gera a mesma vida que elas geram, me faz apertar os lençóis, morder os beiços e rezar por trégua. Dou a luz a máquinas inteiras todos os dias. Invento lâminas que cortam laços, prensas que moldam relações e furadeiras que vazam placas de confiança. Crio destruições para destruírem minhas criações. Minha barriga, meu ventre, meu átrio, se diverte entre uma máquina e outra. Nos intervalos dessas violências a que dou luz, minhas entranhas se ocupam de criar borboletas, louva-deuses e joaninhas. São diversões que me consomem o humor, mas que acalmam a carne interna, as mucosas do estômago, seu ácido mortal e todos os túbulos que dele derivam.

Meus olhos criam pessoas que não existem, cores que não se pode ver, formas que não têm formato e paisagens que ainda não nasceram. Crio curvas em corpos de mulheres que são homens e crio homens no corpo de animais que são pedras e crio pedras na forma de bichos que são mulheres. Crio coisas para ver o que quero e não vejo o que as coisas criaram para me ver. Os ouvidos trabalham junto com os óculos, me fazendo ouvir o que ainda não existe, sentir a voz das árvores jovens que ainda não aprenderam a calar e pensamentos, que também não existem, ganham vozes, que não soam nada. Vibração de ar, vento, sopro e absurdo. É isso que vem! Leio jornais de amanhã, com notícias que ainda não existem e mortes que ainda não morreram. Vivo fora do meu relógio.

Transo transas solitárias, passo horas de solidão em orgias desenfreadas, assisto às noites pela parede da janela, acordo com os raios do sol entrando pelo chão e nada mais pode me adormecer. Criei um ritmo biológico onde o sono vem em forma de euforia e a produtividade é fantasiada de desejo alimentar. Como para criar e crio para comer. Não vendo nada, nem compro, só cedo e roubo, porque emoções alheias não se pede, se toma. Tomo confissões inteiras de gente que ainda não me conhece, amo seres inanimados que jogaram a vida na sarjeta beijando bocas de lobo cheias de lixo entulhado. Minha cidade ainda não percebeu minha presença, mas um dia perceberá! Será como uma linda festa onde o mestre de cerimônias, a bailarina, o porteiro e o assassino serão uma pessoa só. E não será eu, nem mim, nem ninguém que me é.

Crio tudo isso e desprezo em seguida. Não valorizo essa maravilha revolucionária que me salta aos olhos, me vomita à boca e me enche de esperanças falsas. Não dou valor a nada que meu corpo proporciona, nem a nada que meu inferno me regula. Sou só circunstância, sou só vivência diária, coincidências e amebas na maionese. Estão lá, sempre estarão, assim como eu estou aqui e sempre estarei. Inventor do meu próprio estado de espírito, do próprio espírito, na verdade, e criador, também, da definição do que espírito significa. Sou inventor de todas as minhas coisas, inclusive da teoria de que sou o criador das teorias. Crio tudo com o corpo, mas nada com a mente. Ela está inútil desde o dia de sua concepção.

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Limpeza da alma

Eu bebia para vomitar aos litros. Não escondia de ninguém, mas também não ficava pedindo atenção, querendo ser o rei da gorfada, o mestre do “passar mal” de bêbado. Esse era meu plano, simples, eficaz e primitivo: vomitaria tudo. Os outros diziam que eu bebia para esquecer, que era refúgio, que eu estava tentando esconder tudo que eu sentia atrás de garrafas e mais garrafas de álcool. Todos estúpidos, não sabiam de nada. Na verdade eu não escondia, nem fugia de nada. Estava metido até a tampa no meio dos meus fracassos e decepções, lembrando sempre de cada uma das minhas tristezas e bebendo para botá-las para fora. Esse era o plano: vomitar tudo de ruim que estava guardado dentro de mim.

Eu abria as pernas e apoiava as mãos na parede como se estivesse sendo revistado, mas era só o gesto de preparação para o exorcismo. Eu sentia que não aguentaria beber mais nenhuma gota, aí virava a garrafa direto na garganta, sem tocar os lábios, e sentia o fio de álcool descendo a garganta. Era como jogar um fósforo aceso numa câmara de gás. Voltava tudo na hora, no mesmo segundo, como uma explosão, eu vomitava tudo. Forçava o abdome e ia botando tudo pra fora, apoiado na parede, vendo uma porção de coisas acertarem, ou não, a privada. Geralmente eu botava pra fora fotografias e músicas, coisas que passavam fácil pela garganta, tinham formato amigável e amoleciam misturadas no suco gástrico. Mas às vezes vinha uma porção de frases, palavras, juras e sentimentos e esses, enormes como são, me faziam ter a sensação de que, mais dia menos dia, eu perderia a cabeça tentando vomitá-los.

Eu me esvaziava de lembranças e sentimentos para ver se conseguia viver em paz. É como uma garota que enfia uma escova de dentes no fundo da garganta para não engordar depois do almoço. Eu vomitava para não engordar o peso na consciência, os apertos no coração e a saudade, que já nasce obesa naturalmente. Às vezes eu tomava laxante. Misturava uma porção enorme do líquido cor de rosa com cerveja, que é diurética, e ficava no banheiro. Era o mais próximo que eu pude conceber fisicamente do que eu pensava ser a realização da palavra “purgatório”, mas sem precisar morrer. Nesses dias de limpeza pesada eu mandava embora as brigas. Essas eu cagava porque não queria nem ver como eram, que cor tinham e de que tipo foram. Eu as misturava com o produto de um desejo infinito de mijar a vida inteira, expelindo uma porção de crises de ciúme que ficaram em silêncio, cinismos que escondiam explosões de humor, mas que se resumiam a caras fechadas e sorrisos amarelos. A parte ruim eu deixava o corpo perder sem me mostrar.

Eu também derretia algumas coisas. Me trancava no quarto, ou viajava pra praia e tomava muito ácido. Ficava alucinado gritando uma porção de dores e tristezas. Berrava uma porção de coisas que eu deveria ter dito e não disse, uma porção de cosias que eu ouvi e não deveria ter ouvido, uma porção de coisas que eu vi e não deveria ter visto, uma porção de coisas que eu fiz e não deveria terem sido vistas por ninguém. Eu gritava os perdidos que eu dei. Gritava as vezes que fui traído. Gritava todos os dias em que fiquei sozinho pensando absurdos. Gritava as maiores frustrações do mundo. Depois eu começava a ficar sem voz, o corpo esquentava absurdos e eu suava. Suava litros, perdia água como quem abre as portas de uma barragem. Nessas eu suava as melhores coisas. Deixava sair pelos poros todas as vezes que eu disse que foi o melhor sexo da minha vida, todas as vezes que era a mulher da minha vida, todas as vezes que eu dizia que seria pra sempre e expurgava todas as coisas que eu queria que tivessem sido reais.

Ficava no canto, tremendo de ansiedade e euforia, suando muito, pela testa, pelos braços, pelas costas, pelos pés e deixando sair tudo que era lembrança boa. Eu suava as risadas dela e via as gotas escorrerem, suava as viagens, suava os rostos, as caretas, as coisas que me faziam rir, as piadas e ia esquecendo de tudo. Evaporava cada coisa boa e ia ficando leve, perdendo passados e memórias de coisas que nunca mais iam se repetir. Ficava muito louco, com as pupilas parecendo bueiros abertos e as lágrimas se juntavam com as gotas de suor. Eu chorava, bem de vez em quando, uma porção de coisas sérias, como imagens de parentes que eu queria trazer para a minha própria família, comidas que eu nunca mais vou comer, sensações, texturas, cores e sons que eu nunca mais vou ouvir. Eu chorava porque perder lembranças boas exige coragem e eu sempre fui covarde pras dores do coração e da alma. Lavar a alma é dolorido, cansa, dá trabalho e cobra cobra-se caro pelo serviço.

Depois de duas semanas eu estava limpo, uns cinco quilos mais magro, completamente doente e fraco. Delirava de desidratação, ficava perdido entre o que era dia e noite, sobre os dias da semana, os pagamentos que não vinham, os bichos púrpuras que quebravam as janelas, as flores que cresciam dentro do microondas, os cabelos presos na maçaneta da porta, as pulgas dos sofás da cozinha, o telhado da casa do cachorro, um cara que escovava os dentes antes de mim e deixava a pia toda suja de pasta, uma mina que ficava chupando a boca de um cano de escapamento velho sentada no quintal dos fundos, o carteiro que vendia um monte de balinhas estranhas pra molecada da região, a baleia que voava por cima da minha casa a cada quatro horas e trinta e sete minutos e muitas outras alucinações. Quanto estava tudo branco, como se fosse uma morte-viva, uma inconsciência planejada, eu me esquecia de lembrar de tudo que era de antes e me convencia de que o mundo era uma incerteza infinita, exceto por uma única coisa: “preciso me apaixonar por alguém”, e me jogava na morte outra vez.

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Esses caras não sabem nada sobre essas meninas

Esses caras não sabem nada sobre essas meninas. Não sabem porque escolheram não saber, preferiram a segurança do raso, do simples, da opinião superficial nascida de duas ou três cenas suspeitas que viram em festas, casadas com umas fotos de ângulos depreciativos e mais uma meia dúzia de boatos que nunca poderão ser comprovados. Uma porção de caras que olha pra essas meninas sentindo a falsa segurança de saber exatamente quem são, o que pensam, como erram, quais são seus desejos, suas fraquezas e seus pontos fortes. Acreditam serem superiores por possuírem informações particulares sobre elas, mas que, na verdade, não dizem nada sobre ninguém.

Esses caras não sabem nada sobre essas meninas. Têm opiniões tão distorcidas que, em alguns comentários aleatórios que ouvi, tive dúvidas sobre quem estavam falando. Às vezes penso que eles se esquecem que elas saem para a rua, fazem o que quiserem fazer, mas depois voltam para casa. Uma casa normal, com mãe, com pai, com irmão, com beijinho na careca do vovô no final de semana, com lasanha, com cachorro, com viagem de ano novo, com um monte de coisa de gente comum. Tem cara que pensa que essas meninas nasceram dentro de uma balada, só vivem de festa, funk, black e goró. Porra, que absurdo pensar que todo mundo é tão vazio quanto eles são.

Esses caras não sabem nada sobre essas meninas. Isso acontece porque o ciclo de relacionamento com elas é mínimo, repetitivo e superficial. Eles as conhecem e, de cara, se interessam no caminho para entrarem debaixo de suas saias. Depois eles se sentem frustrados diante das negativas e começam a julgá-las por suas roupas, porque dançam, porque bebem, porque ficam bebaças ou porque fumam demais. Não importa, tudo será defeito, mesmo que não seja. Depois, diante do “foda-se” pra esse monte de absurdos, eles começam a criar histórias, verdadeiros mitos incríveis sobre coisas que elas supostamente fizeram, como fizeram, com quem fizeram e, claro, sempre tem muito sexo e pouca testemunha nesses depoimentos. Se fizeram ou não, ninguém sabe, mas caso seja verdade, nunca foi feito com quem espalhou a história.

Esses caras não sabem nada sobre essas meninas. E não sabem mesmo! Pica nenhuma! Nem o nome, porque apelido hoje vale mais do que R.G. Não sabem porque não conseguem conversar, não têm assunto que prenda uma mulher sentada por mais de cinco minutos. É sempre a mesma merda, com os mesmos históricos, as mesmas piadas, o mesmo bla bla bla eterno sobre as mesmas pessoas. Esses caras não perguntam nada inteligente, não falam da faculdade ou do emprego delas (porque talvez nem pensem que elas têm algum trabalho), não perguntam sobre gostos pessoais, não emplacam alguma conversa com reflexão, nem que seja sobre um filme que passou esses dias na TV. Eles simplesmente não se interessam por elas como pessoa, só como diversão, como enfeite, como paisagem. Elas são bem mais que isso, pode apostar!

Esses caras não sabem nada sobre essas meninas. Eles não fazem ideia de quanto elas estudam, trabalham e se esforçam para crescerem profissionalmente. Eles nem imaginam que debaixo daquelas roupas provocantes, daqueles sorrisos espalhafatosos, das danças sensuais, existe uma mulher que também quer ter filhos, também quer ter uma família e também quer alguém que queira abraçá-las antes de dormir. Elas também gostam de chocolates e flores, também gostam de conversar sobre investimentos, dinheiro, carreira, planos pro futuro e até futebol, por que não? Eles não pensam que essas meninas têm sentimentos e que deve ser foda saber que um monte de gente fala absurdos falsos sobre elas. Essas meninas são mais profundas do que tudo isso.

Esses caras não sabem nada sobre essas meninas. Não sabem o quanto elas podem ser amáveis, românticas, dóceis e meigas se forem tratadas como merecem. Eles não sabem como podem ser sensuais dormindo, como pode ser divertido passar a tarde na sala de casa comendo besteira e vendo os programas ruins na televisão ao lado delas. Eles não sabem sobre suas preferências, nenhuma delas, mas poderiam se surpreender caso começassem a aprender mais. Eles não sabem que elas sabem de cinema, que ouvem samba de roda, que têm tradições familiares sólidas, que são vegetarianas, que não têm pai, que têm irmão mais novo, que têm uma porção de medos bobos que jamais aparecem. Elas são tão incríveis, cheias de segredos e virtudes, que quase não dá pra acreditar. Elas sabem de seus próprios valores, eles não.

Esses caras não sabem nada sobre essas meninas e não dão o mínimo valor para as pérolas e diamantes que têm diante de si. Se perdem admirados em uma figura atraente e esquecem de lembrar que todo mundo é um universo a ser explorado. Esquecem que dançar no pole dance não deixa ninguém mais burro ou menos interessante. Esquecem que beber mais que um homem não deixa mulher nenhuma menos bonita e nem sem valor. Esquecem que não sabem de nada pensando saberem tudo e que esse tipo de preconceito nunca dá certo. Esses caras vão saber alguma coisa sobre essas meninas quando um homem de verdade sair da caixa, passar por cima do monte de merdas “que o povo conta” e mergulhar nesse monte de mini universos fascinantes. Eles vão saber quando um amigo contar que essas meninas são incríveis, que estão felizes ao lado delas e que, mais cedo ou mais tarde, iria aparecer a pessoa certa. Elas aparecem certas para os caras certos!

Mas esses caras não sabem nada sobre essas meninas e isso é um problema só deles.

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Corra com tesouras!

“Esse texto vai me dar dor de cabeça, até porque já fui apedrejado por coisa bem menos pesada. Mas acho que seria uma imensa injustiça comigo mesmo não publicá-lo”, eu disse, pouco antes de levantar da cama. Saiba abstrair… conto com isso!

Se alguém me pedisse um conselho hoje, qualquer pessoa, de qualquer idade e qualquer tipo, eu diria a mesma coisa para todos: corra com tesouras! É o melhor que eu posso desejar, mesmo que a pessoa esteja querendo ouvir “larga dele”, ou então “não, não gaste dinheiro com isso agora”, tudo que eu poderia dizer, para soar verdadeiro e sincero seria isso. É claro que é uma metáfora, uma força de expressão, mas até a interpretação literal já surtiria muito efeito. Correr com tesouras é perigoso, não é aconselhável, dá medo em quem faz e em quem vê e a mensagem do dia é essa. Tenha e proporcione o medo puro!

Quebre as regras, todas elas. Quebre regras sérias, regras morais, regras cívicas e não só aquele tipo de regra que nos faz parecer idiotas em vídeos motivacionais correndo pelados ou usando bermudas em lugares onde todos estão de terno. Quebre regras justas, acordos que você mesmo firmou, rasgue contratos, seja imoral. Roube alguma coisa de algum lugar e corra, sem querer parecer expert nem heroico. Corra para não ser pego, grite palavrões e ofensas às pessoas na rua, passe a perna em alguém que você não conhece. Faça algo muito errado, algo que cause problemas, que faça estrago, que faça alguém sentir medo. Sinta medo de ser pego por isso tudo!

Minta! Invente uma mentira forte, das que precisam de muita apuração, muitos dias de pesquisa e muita força de vontade para ser desmascarada. Falte ao trabalho dizendo que está doente e se atreva a não tentar forjar um atestado. Convença a todos com emoções, jogos mentais e rostos falsamente tristes. Engane alguém honesto, passe alguém para trás, faça mal a uma pessoa inofensiva. Seja ruim por um dia, seja alvo da crítica do mundo inteiro, dos hipócritas que se sentem donos do que é correto, das pessoas que dão lição de moral em massa na internet, das pessoas que acham que são melhores que você. Sinta remorso por ferir alguém que jamais lhe faria mal, arrependa-se e conviva com o aperto no peito de se sentir o pior humano do mundo. Sinta isso!

Traia alguém que confia cegamente em você. Quem trai precisa de coragem, muita coragem. Confiança não tem preço, nenhum dinheiro compra e, por isso mesmo, jogue tudo fora. Minta para alguém que necessita da sua verdade para viver, ignore sentimentos, mágoas e arrependimentos. Faça o que jamais esperariam que você fizesse, feche a porta para alguém que sempre lhe estendeu a mão, sinta vontade de estar em outro lugar enquanto estiver com pessoas que dariam a vida por mais um minuto ao seu lado. Faça tudo dar errado, estrague os maiores valores do mundo, desperdice um amor, perca um amigo, envergonhe um familiar e chore por isso. Chore honestamente para saber como é, só para dividir a dor com quem você fez sofrer. Aceite de coração aberto o fato de que quem trai, será traído. Lide com essa frustração e não esconda, nem por um segundo, o medo de também ser passado para trás.

Corra perigo. Meta-se com alguém que corre mais do que você, que é mais forte que você, que é mais ágil que você, que tem mais autoridade que você. Sinta o medo puro, o medo da agressão física, o medo da dor, da morte, da tortura que é tátil. Acelere no farol vermelho em um cruzamento movimentado ao meio-dia e tente não fechar os olhos ou rezar. Caminhe pelo meio de duas faixas, na contra-mão, em uma avenida importante. Salte de um telhado para o outro, corra o risco de se matar sozinho, sem glória, sem platéia e sem motivo. Aceite o ineditismo de fazer coisas perigosas sem receber nada em troca. Absorva cada segundo desse medo, dessa ambiguidade, desse eterno perde e ganha de forçar as próprias emoções ao limite.

Aprenda a mentir olhando nos olhos, sem piscar, sem fazer careta e sem gaguejar. Fortaleça sua mente e descubra como oprimir, dominar, ludibriar e convencer pessoas com quem você convive. Num mundo onde todo mundo pode ter uma arma, ser psicologicamente evoluído ainda vale mais a pena. Controle a sua carência. Às vezes precisamos de pessoas, e às vezes precisamos de nós mesmos. Arranje um problema sério, dos grandes, cometa grandes erros e, mesmo no fundo do abismo do desespero não conte para ninguém. Resolva suas questões sozinho, não mostre fraqueza, medo ou dúvida. Seja perene, impenetrável, sólido e confiável. Não confie em ninguém. Não honre acordos. Não dê sua palavra sem cruzar os dedos nas costas e não diga a ninguém que está cometendo um erro.

Corra com tesouras! Corra e depois arremesse-as a esmo, correndo o risco de acertar alguém, de quebrar alguma coisa, de ferir a si mesmo. Corra com tesouras, com facas, com serras elétricas, com objetos perfurocortantes, com todo tipo de coisa que você, em sã consciência, não ousaria fazer nenhum tipo de movimento brusco. Assuma uma loucura falsa, uma loucura proposital e provocada. Aceite que você não tem motivos, entenda todos os medos, sinta todos os hormônios tentando impedirem você fazer coisas perigosas e curta cada segundo de aperto no peito por ter magoado, ferido ou traído pessoas queridas. Sinta o mais puro poder da maldade, da ruindade sem motivo, da banalidade da barbárie gratuita e depois, no fim, agradeça por ter a chance de concertar tudo isso.

Mas todo mundo sabe: se conselho fosse bom a gente seguia, não saia falando pra todo mundo por aí…

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Overdose

Da janela coberta por uma cortina grossa a luz vermelha do letreiro externo invadia o contorno e pintava os reflexos dentro do quarto. Uma escuridão desenhada em tons de bordô, vermelho e marrom, com o silêncio dominando cada centímetro, cada contorno, cada peça da mobília pobre. Não importava o luxo, nem as cores, que já nem estavam lá. Importava o imediatismo, o “tem que ser agora” levado a sério, o tremor suave do corpo diante da situação excitante, a euforia e o nervosismo psicosomatizados e traduzidos. Depois de misturarem tudo nos narizes, pulmões, gargantas e veias o que tinha valor estava diante dos olhos. Importava estar ali.

Durante um minuto o mundo pareceu ter congelado. Ele parado logo depois da porta, sério, concentrado, olhando o corpo dela, frágil e insinuante, sentado no centro da cama, com as pernas abertas e meio dobradas, as mãos apoiadas atrás das costas, como quem oferece o peito ao sacrifício. Ela tremia de excitação e impaciência, suava como louca mordendo os lábios e apertando os lençóis com os dedos firmes. Ele dominava a situação apenas com o olhar, com a respiração ofegante e uma constante coceira no nariz. Enormes ondas de calor, tesão e eletricidade corriam o caminho entre aqueles dois corpos.

Quando tudo voltou a se movimentar foi uma explosão. Ela saltou da cama em direção ao corpo dele, que agarrou-a ainda no ar e levou-a a nocaute. Aberta, simples e já quase nua, ela se deixava ser manipulada da maneira como fosse, com a força que fosse, no ângulo que fosse. As carnes se misturavam e não foi preciso relógio para saber que o tempo em que as poucas roupas restaram no corpo foi mínimo. Tudo ali, iluminado de vermelho, rasgado no máximo da loucura da madrugada, já bem altos de muitos químicos, líquidos e sintéticos. O amor floresce no meio das drogas!

Ela não sentia dor alguma, ele não sentia cansaço algum, o corpo cheio de marcas, mordidas que sangravam para valer, arranhões que condenariam qualquer um num exame policial, tapas e beliscões que faziam o sexo parecem uma briga onde só um sai vivo. Ela gritava com o máximo de força que seu corpo pequeno podia fornecer, berrava em caretas histéricas, com os cabelos colados no rosto suado, espasmos involuntários e desesperados. Era tudo prazer, tesão e orgasmo. Tudo misturado com um monte de outras sensações que são tão difíceis de serem descritas quanto esquecidas.

Ele investia pra dentro dela, oferecia seu pescoço e suas costas, ela mordia, arranhava, beliscava e tirava sangue, para receber tapas dignos de violência doméstica quando ele saía, para entrar e os golpes se repetirem infinitamente. Ela apanhava tanto que em algum momento entre a dor, a loucura e o prazer, o coração parou. A pele formigou pelo corpo todo, as pernas amoleceram, a fúria acabou e ela se tornou um corpo branco, mole, inerte aos solavancos e violências de um sexo que estava marcado para matar alguém. Ninguém percebeu. Ela não sabia que tinha morrido, ele não sabia que tinha matado e, do mesmo jeito como a loucura nasceu, sumiu.

Os olhos vidrados no teto, sem movimento ou reação, chamaram a atenção. Ele parou, por alguns momentos pareceu ter percebido o que estava acontecendo e, sem muito critério, juntou as mãos e bateu forte no peito daquele jogo de carnes brancas e largadas. Ela não reagiu, ele não entendeu, levantou-se, foi até o banheiro e durante muito tempo ficou olhando o rosto no espelho. Tomou banho, vestiu as roupas, olhou para o corpo largado na cama e sentiu dó. Não podia deixá-la ali, mas não podia carregá-la junto. Ligou para a recepção, contou da overdose, das porradas e do susto de estar com a moça desmaiada. Não contou que estava morta.

Passaram duas horas e um fantasma atravessou a porta do quarto sem fazer barulho. Não viriam os enfermeiros, nem os médicos, nem ninguém. Mas ele veio, soprou uma maldição, mudou uns móveis de lugar, entrou pela orelha da moça e, depois de já ter dado o caso como encerrado, ele a viu ressuscitar. Puxou o ar com força como se fosse um mergulhador voltando à superfície e sorriu. O fantasma saiu pelo meio das pernas ainda abertas, todo diferente, como se tivesse roubado alguma coisa dela e deixado alguma outra coisa sua no lugar. Saiu pela porta, deixou um gelo no ar que custou a sair e quando o silêncio tomou conta de tudo ela se levantou.

Tirou-lhe a camisa, beijou sua boca com uma língua de gelo, abraçou seu corpo com braços e pernas, lambeu um fio de sangue que escorria de uma mordida no pescoço e sussurrou palavras impossíveis de entender. Foram calmos para a cama, deitaram-se e as roupas foram sendo tiradas com calma, permeadas por muitos beijos, muitas carícias e muitos sorrisos. Cheiraram algumas carreiras um no corpo do outro, tomaram umas pílulas, um da boca do outro, fumaram algumas pedras, um puxando a fumaça do pulmão do outro, injetaram algumas miligramas, um pegando a veia do outro e depois disseram juras de amor impossíveis, intensas e gigantes, citando planetas, estrelas, eternidades, dimensões e destinos. Esperanças florescendo a noventa graus e rumando para o além. Fizeram dezesseis horas de sexo ininterrupto derramando amor por todos os lados, inundando o quarto de uma paixão sufocante e sólida. Quando encheram tudo, até o teto, de dotod o sentimento que tinham, foram dormir. E dormiram juntos, pra sempre.

 

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Rotina

De volta ao trabalho, rotina de todo dia, santo ou não, e não há quase nada que se possa fazer. Fim das férias, retorno aos dias de branco, de preto, de tudo quanto é cor. O mais interessante em voltar a uma rotina estressante e sólida como a minha é perceber que todo o tempo em que estive longe as coisas me esperaram. Fizeram isso porque são parte da rotina, são peças que não se movem, como um tabuleiro de xadrez que serve de enfeite e nunca será jogado por ninguém. Eu não jogo o jogo dessas pessas, só caminho pelos tabuleiros a que elas pertencem.

Acordei às 6h da manhã e os pássaros estavam lá. Eles sempre estão! Todos na árvore que fica na porta do meu quarto, na saída para o jardim, felizes pra caralho, piando loucamente como se fosse festa de dia dos pássaros domésticos em liberdade. Em casa a gente não tem gaiola porque criar pássaro em casa, na nossa opinião, é coisa de filho da puta, mas a gente cuida deles ali, na árvore, soltos mesmo. Estavam ali, como sempre estão todas as manhãs. Soltos, felizes e ali, piando, porque era segunda-feira, rotina sólida e imutável, do jeitinho que tem que ser. Estavam lá os pássaros, o céu da mesma cor, o despertador com o mesmo som e o banheiro uma puta zona como sempre é. Rotina: de volta a ela.

A padaria estava com os mesmos copeiros, com as mesmas caras infelizes, com os mesmos aventais surrados, me servindo o mesmo de sempre. “Dois pães na chapa e um suco de laranja, por favor”, eu pedi. Sempre peço o mesmo, e sempre vem o mesmo pão feio, com menos manteiga do que deveria, servidos num prato de plástico duro que dá até dó, acompanhados de uma jarra de suco de laranja meio amarelo. A jarra rende sempre dois copos se for com gelo dentro. Os mesmos dois copos, um pra cada pão, os mesmos dois pães, um pra cada olho na cara, orelha, mão, pé, rim, e tudo mais que a gente tem em par. Os pares estavam todos lá, como todo dia da rotina.

Caminhei pela rua até o ponto do trólebus, subi as ladeiras que vão sempre estar lá, passei na frente do boteco, do mercadinho, do mecânica, da pizzaria fechada e do galpão de madeiras. Estavam todos lá cumprindo seu papel perene de personagens de uma rotina de merda. A rotina é uma merda, mas tem gente que ama. Não é meu caso. Além de ser um saco já saber exatamente o que vai acontecer, mesmo torcendo por uma mudança, não gosto de ter que executar as partes ruins da rotina, que são ruins hoje, foram ontem e serão amanhã. Além disso, rotina deixa a gente apático, não emociona, não surpreende, não instiga. É o mesmo feijão com arroz, o mesmo papai e mamãe, a mesma trepada mal dada, o mesmo sorriso amarelo, a mesma merda igual todo o tempo.

O terminal tem o mesmo cheiro de esgoto com urina do lado de fora, o mesmo cheiro de pão de queijo recheado de fezes humanas no subterrâneo e, no meio do caminho, as vendedoras de chip da TIM se esforçam para fazer a voz mais irritante que podem, com o volume mais alto que alcançam: “Chiiiiiiiiiip da TIM naaaaaa promoçãããããã já vem com créééééééééééaaaaaadito!” e eu me arrepio de ódio de cada uma delas. Nas paredes os mesmos anúncios, os mesmos rabiscos e as mesmas pichações. O Teco ainda ama a Bia, o Junior ainda é cabeção e São Mateus ainda é “mil grau”, nas paredes do corredor que vai pra o trem. E a catraca ainda faz o mesmo barulho, as pessoas têm a mesma cara de sono e o lugar onde eu embarco ainda tem uma mancha de cimento no chão para não me deixar errar. A porra toda está sempre lá, num ritmo de rotina sem fim.

No trem os fones me entregam as mesmas músicas, com a mesma paisagem e o mesmo sol. A lotação do vagão não varia muito nesse horário, nem a velocidade do trem, nem o incômodo desses dois fatores somados a um dia quente. As mesmas músicas, o mesmo calor, a mesma lentidão, o mesmo cheiro de sovaco suado. O livro não é da rotina. O livro é novo, um que eu comprei no primeiro dia de férias e só comecei a ler agora. Mas o sentimento é o mesmo, a sensação de que o começo dos livros são todos meio estranhos e macarrônicos, assim como o começo de toda coisa que a gente aposta que é X e no fim se revela Y. A voz da mulher que “canta” as estações também não mudou, assim como a sensação de liberdade ao ouvi-la dizer “Tamanduateí” e anunciar a minha saída.

Depois disso vem a viagem para trás no metrô, só pra conseguir sentar e ler com mais calma, vem o trajeto todo, as mesmas estações, a mesma lotação, a mesma zona na passagem da Consolação pra Paulista, o mesmo trem sem maquinista no metrô na linha amarela, o mesmo trajeto estranho entre a Paulista e a Faria Lima, passando por dentro de plataformas que no futuro serão estações prósperas, mas que hoje são nada mais do que cenários de filme de terror um pouco mais bem cuidados. É tudo igual, a mesma rotina. Junto com ela o mesmo sentimento sobre tudo. Sobre o trabalho, sobre o futuro, sobre o dinheiro e sobre a felicidade. Busca-se felicidade cada vez com mais afinco em lugares cada vez mais errados. Eu, ao menos, busco errado assim.

Tem as memórias de lugares onde coisas aconteceram, de gente que sumiu e não vai voltar tão cedo, de gente que sumiu pra nunca mais voltar e de gente que ainda está bem presente. Tem o sentimento de saudade de um monte de outros sentimentos. Sinto, às vezes, falta de sentir certas coisas. É um monte de lembrança que ficou lá, me esperando, com memórias coloridas, quase como fotografias de câmera reflex, cheias de detalhes e nuances. Estava tudo ali hoje quando eu vim trabalhar. A obra eterna da Av. Faria Lima continua eterna, os carros continuam ocupando mais espaço do que as pessoas, os prédios continuam concentrando mais renda do que todo o banco central e eu continuo lembrando de uma porção de coisas que não vão se repetir. É a merda da rotina. Dentro e fora de mim, tudo se repete o tempo todo, só para não me deixar fugir.

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Magnetismo sobrenatural

Não sabia o que era porque não tinha muito o que saber. Às vezes a vida mostra uma situação que só serve para entendermos que nós não temos o menor direito de saber mais do que nos foi revelado. O mistério é necessário, importante e insubstituível em alguns casos. Esse era um deles. Ficava sentado olhando, franzindo a testa e tentando entender de onde vinha todo aquele magnetismo, toda aquela atração incontrolável por um ser que poderia ser qualquer outro, mesmo sendo impossível sentir a mesma coisa por mais ninguém.

Ela aparecia no canto da parede, no batente da porta, por detrás do vidro do box do banheiro e as estruturas iam ruindo. As paredes tremiam como se fossem plásticas e finas, os tijolos se desarranjavam, o reboco e o revestimento ia caindo todo no chão, que tremia como um terremoto a cada passo que ela dava. E vinha, de onde fosse, destruindo tudo com seu caminhar de quem está pouco se fodendo para qualquer reação adversa ou efeito negativo de sua presença. Era completamente completa. Uma mulher que agia como age um remédio que tem mais efeito colateral do que poder de cura.

Ele ficava parado, petrificado, enquanto ela vinha como um gato, ou uma cobra, se enrolar por baixo dos braços, ao redor do pescoço e da cintura até não estar mais apoiada no chão. E era o fim da razão e da autopiedade daquele homem. Era como se ela o sugasse para dentro de si e tomasse, mesmo que só por alguns instantes, o controle de sua alma. Ele, longe dela, não sedia a nenhuma pressão, nenhuma tentação, nenhuma ameaça. Mas ali, naquela relação quase simbiótica, ela era o imã que o movia para onde quisesse mover. Um imã que atraia coisas que não tinham a menor chance de se moverem antes dele aparecer. Era magnético e poderoso.

Enquanto ela gemia e lhe sussurrava elogios abstratos ele caminhava com aquele corpo trepado sobre o seu. E terminavam sempre no mesmo lugar. Às vezes ela vinha da sala, às vezes da cozinha, às vezes estava dentro do carro, mas sempre terminavam dentro do quarto. Quando soltavam o peso dos próprios músculos e ossos sobre a cama, as paredes começavam a sumir em um fade negro e sólido como no fim de um filme. “Fade out” ela dizia, e sorria depois, espelhando o sorriso que ele mesmo expressava. Depois disso o quarto se transformava em escuridão.

Ela usava suas coxas grossas e a bunda muito forte para manter as pernas trancadas à altura da cintura forçando o contato quase invasivo dos dois. Ele se agarrava a ela como uma tranca de dezoito dentes, que não solta, que não afrouxa, que não se move até que seja a hora. Ela mordia seu pescoço, ele mordia sua clavícula, ela arranhava suas costas, ele puxava seus cabelos da nuca, ela fechava os olhos e abria todos os chakras, ele ofegava e a comia como quem tenta matar alguém. Era a violência mais crua e simbólica do mundo.

Ele, da cor do homem, com os tons de um homem, as diferenças e semelhanças das cores que os homens do tipo dele têm e ela branca, translúcida, lisa e macia como são as mulheres do tipo dela. Ela se alimentava do desejo que ele lhe oferecia e que nenhum outro homem jamais lhe dedicou. Ele se alimentava da intensidade e da energia que ela lhe passava, do magnetismo que lhes unia e que ele nunca encontrara em mulher alguma. Se misturavam em suas semelhanças e diferenças para fazer o impossível ser banalidade e a realidade, criação de alguém.

E depois do fim, depois de tudo, ela ficava na luz, no pequeno e discreto caminho de luz que iluminava a escuridão daquela cama imensa e se mostrava para ele. Se mostrava por inteiro, por dentro e por fora, pelas curvas e pelas sombras, como quem quer contar a história do que acabou de acontecer. Ele sorria com uma boca de Cheshire e, assim como o gato, rodava de cabeça para baixo, flutuava o corpo na escuridão e virava vapor colorido. Ele ia para o ar, para o além, para a vida de verdade e ele ficava mais um pouco ali, sentindo a ardência que dá, o calor que dá, o incômodo confortável que dá e depois adormecia para sumir também. Nunca houve amor. Nunca lhes faltou nada!

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Tentativa, erro e muito álcool

Ninguém acerta de primeira conscientemente. O corpo do outro, junto com personalidades obscuras, pequenos traumas, grandes traumas, grandes tarar e pequenos incômodos. É bem difícil atingir a pontuação máxima logo de cara. Eu já tinha transado com um monte de gente, homens e mulheres, velhos e pessoas que beiravam a adolescência. Nunca tive preconceitos, mas sempre tive curiosidade. A constância é sempre uma só: tentativa e erro.

Já me arrependi tanto de ter botado o pau pra fora que comecei a desenvolver um método, ou ao menos, um estilo de preparação do terreno, para não me frustrar ainda mais. Ser ruim de cama é uma realidade, não adianta pensar que mandou bem em todas, que fez todo mundo delirar, porque essa ilusão é uma realidade que só existe no seu imaginário. Só que dá para diminuir a margem de erro, ou tornar as performances péssimas em performances apenas regulares, ou, quando o quadro é favorável, transformar uma performance ótima em algo sobrenatural.

Álcool! O bom e velho amigo dos tímidos, dos expansivos demais, dos baladeiros e dos que simplesmente gostam de fugir um pouco da realidade. A tentativa e o erro se tornam, desafio e resultado quando está todo mundo meio alto. As mulheres têm menor tolerância que os homens, o que faz com que a mudança comportamental seja mais intensa. Já fiquei com a mesma garota sóbria e bêbada e tive a impressão de estar transando com pessoas diferentes. Eu desejaria ela alcoolizada todos os dias se fosse possível.

A maior parte das transas muito alcoolizadas que tive foram satisfatórias para ambos, mesmo que seja difícil medir o nível de excitação de uma pessoa que você acabou de conhecer. Mas o fato é que a liberdade e a euforia alcoólica eleva o nível do sexo. Quantas vezes não preferi me embebedar para encarar alguma coisa que me faria mal, como ex-namoradas ciumentas e carentes, ex-namorados invejosos e péssimos na cama, gente feia e por aí vai. Se com gente desconhecia é fácil fazer funcionar, com rolo fixo é coisa de louco.

É bem mais fácil descobrir o que o outro gosta quando ninguém tem vergonha de fazer nada, nem de dizer nada, nem de errar fazendo alguma coisa. É um estado de liberdade e auto-satisfação que poucas situações proporcionam. Geral sem roupa, sem preconceito e sem pudor: não tem erro. É tudo uma questão de repetir a dose, tentar de novo, de novo e de novo e misturar preferências com bebidas novas e lugares novos e foda-se o mundo porque a chance de errar com um bêbado é quase zero. Quase…

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