“Chora que chora, novinha chora!”
Tocava alto no carro ocupado pela lotação máxima permitida. Eu, já meio breaco, repetia a todo instante, quase gritando, na tentativa de superar o volume do rádio, que aquela música era MPB. Eu tinha certeza disso, mas parecia ser o único que pensava assim. Eu pensava nas praias do Rio de Janeiro, pensava em Caetano Veloso, Chico Buarque e Tom Jobim. Aquele funk, naquele momento, com aquelas pessoas, me pareceu extremamente sensível, forte, atual e delicado. Me emocionou. Mesmo!
“Chora que chora, novinha chora!”
Ele disse no ouvido dela “faz um filho comigo” e a gente riu. Uma frase dessas, num contexto diferente, é coisa que mata alguém do coração. Mas não, ali nada mataria ninguém. Tinha sol, tinha vento, tinha amigos, tinha música, tinha bebida e a gente nem se dava conta de que se alguém chamasse de “festa” não haveria como discordar. Mas não era festa. Era um dia comum, como se o que é comum não fosse especial. Era muito especial.
“Chora que chora, novinha chora!”
Não tinha ninguém triste, nem preocupado, nem incomodado com alguma coisa. Eu segurava minha garrafa de cerveja, olhava ao redor, a paisagem deteriorada na mistura de mato com concreto, asfalto e chapas de aço e sorria. Eu sorria largo e às vezes uma frase qualquer, uma brincadeira boba, me fazia gargalhar. Era um daqueles momentos sublimes e raros que a gente tem que parece que o mundo todo ficou mais leve, mais simples de entender e se viver. Eu estava vivendo plenamente ali.
“Chora que chora, novinha chora!”
Me sentia extremamente confortável. Ouvia os versos, a batida que nem existia, a não ser por uma voz em loop que simulava sons de tambor e pensava em violão, acordes sofisticados e vocais macios. Para mim era das melodias mais tranquilas e aceitáveis do mundo. Estava completamente tranquilo com aquela música, como se ouvisse mesmo a trilha sonora do calçadão de Copacabana ou como se dividisse o banco de trás de um carro com Gal Costa quase gorfando e Nara Leão tatuada com um piercing no nariz.
“Chora que chora, novinha chora!”
Eu me apaixonaria o tempo todo, por qualquer coisa ou pessoa, qualquer sorriso ou abraço, qualquer voz ou perfume. Existem estados de felicidade tão abstratos e intensos que acabam por alterar percepções importantes sobre preferências pessoais, princípios, conceitos firmados e opiniões perenes. Qualquer um muda de ideia sobre qualquer assunto quando está mergulhado em alegria, satisfação e calma. A calma transforma o homem.
“Chora que chora, novinha chora!”
Me sussurrava no ouvido os versos de um poema tão banal e bonito quanto a própria vida real. Eu respirava fundo, soltava o ar misturado com gás de cerveja e hálito de cevada enquanto o planeta girava mais lentinho só pro dia não acabar tão rápido. Eu conhecia pedaços de planetas que caiam na Terra e se transformavam em gotas de suor. Eu ria muito, olhava tudo com ares de turista, aproveitava cada sabor e momento e ouvida a música do céu. Vinha do céu de algum lugar que não era ali.
“Chora que chora, novinha chora!”
Sentado na sarjeta fazendo declarações de amor para olhos embriagados me enxergando duplamente, me sentindo animado e deixando explícito que eu queria mesmo estar ali. Abraçaria assassinos, beijaria crianças sujas, dançaria com mulheres gordas e fotografaria com indígenas, mas não tinha coragem de chegar perto de quem eu queria chegar. Eu olhava o corpo dos semelhantes, olhava o rebolado das meninas, as curvas que Deus lhes deu e pensava que ali ninguém chorava. Nem eu, nem as novinhas, nem as velhinhas, nem ninguém.
“Chora que chora, novinha chora!”
Era música popular brasileira! Tinha passinho, caras e bocas, ritmo e objetivo. Eu só queria estar lá: o lugar nenhum com todo mundo!