É que me bateu uma curiosidade sobre como é que o povo faz quando vai pra outro país. Tem aquele livro do Neil Gaiman, “Deuses Americanos”, que fala sobre os deuses de tudo quanto é lugar do mundo que foram para os Estados Unidos na cabeça das pessoas e agora não conseguiam se manter porque não tinham muitos devotos locais. É foda ser um deus, eu acho. Você precisa de uma galera rezando, cultuando, lembrando e hoje em dia, em tempos de iPhone e internet 4G, a memória das pessoas se restringe aos nomes que piscam na tela. O novo deus do momento se chama WhatsApp, e até nisso o premonitório Neil Gaiman acertou, quando no livro, há 11 anos, ele falava sobre o deus televisão, o deus celular, o deus vídeo-game.
Pensando nesses novos deuses, me pergunto onde seria a igreja deles. Teriam uma igreja, uma casa, um templo, algum lugar de culto específico? Os novos deuses, eu acho, moram dentro da nossa casa, no carro, na nossa bolsa, no bolso de dentro do meu blazer fedendo a naftalina e bolor. São esses deuses que causam as batidas de trânsito, que fazem você não absorver nada na aula, que fazem o miojo ferver e queimar em cima do fogão. Os caras têm a nossa total devoção em tempo quase integral. Ninjas, esses caras novos. É que de uns tempos pra cá tenho pensado cada vez mais sobre a importância de ir de vez em quando no terreiro, sentir coisas, ver coisas, saber coisas e viver coisas que não são desse plano, desse “mundo”, que não estão à vista de todo mundo a qualquer momento.
A Isa, essa do título, é da macumba. E eu não vou perder tempo explicando o emprego da expressão “macumba” num texto como esse. Ela é mais da macumba que eu, talvez por ter estudado mais, lido muito mais, vivido muito mais e começado bem mais cedo. Mesmo assim, esse povo da macumba cria laços e conexões super rápido e, portanto, tanto faz quem chegou primeiro ou depois, o que vale mesmo é fazer parte. Assim como eu, quando não vai ao terreiro por algum tempo, ela sente falta. É igual gente que sente falta de ir à praia, porque lá se sente bem. Ou gente que sente falta de ver uma pessoa específica, porque essa pessoa a faz sentir-se bem. Enfim, a gente sente falta, uma falta quase física, uma coisa de peso nas costas, complicado explicar, mas fácil sentir.
Então, no começo, ao ler o meu título que te trouxe até aqui, pode ser que você tenha me sentindo mergulhado num poço de inocência. Talvez você, ao ler meu título, pensou que encontraria alguma outra coisa, um texto engraçado, alucinógeno, lisérgico ou algo assim, a julgar pelo título. Mas não foi isso, né? Eu perguntei porque é importante saber, porque me preocupa o futuro dos Orixás que a Isa tá levando pra Dublin, cultivando em Dublin, desenvolvendo em Dublin. E mais que isso. Me preocupa saber como é que se curam os que sentem falta das almas que estão no país de origem, como é o caso dela. Como se sente o guia desse cara? Como se sente esse cara sem seu guia? Como se sentem as pessoas que se consultavam com aqueles guias? É, talvez eu seja inocente em me preocupar com isso. Os caras tão na estrada há muito tempo e já devem ter resolvido essas questões. Então vou me dedicar à outra dúvida, uma diferente dessas. Pensa só: como será que se sente um gringo quando dá de frente com uma macumba de verdade?