Hoje não, nem tem como. Ela vai se deitar no escuro, na cama que sempre acolheu seu sono em todas as outras noites até hoje, mas não vai conseguir dormir. Não é café, não é bebida, não é filme, não é nada que se controle. Essa noite não tem sono na cama dela, mas não deveria mesmo ter coisa do tipo. É o corpo de Elza que quer despertar quando deveria estar se despedindo. Hoje não tem sono para ela.
Do lado de fora, na cidade escura do meio da semana, o vento esfria a vida e faz a rua tremer, mas dentro do quarto é um calor sem fim. A testa suada não encontra posição no travesseiro já morno de tanta fricção. Os cabelos presos grudando no rosto, na nuca, se espalhando pela boca, olhos, nariz e incomodando mais do que o de costume. A respiração é complicada, o ar é quente e o mundo vai se acabar. Ela se sente coberta por mil camadas de pano quando, na verdade, está vestida de pele e tesão, apenas.
É como um feitiço, um veneno, uma praga, um trabalho de gente ruim. O corpo não se aguenta, a pele se estica, os dedos se contraem e os músculos vão endurecendo. Cio, é o nome. É um desejo de comer o que não se come, de ter o que não se compra. A noite vai se criando e a escuridão toma forma na cólera de Elza. De repente tudo está se movendo, como se rodasse, como se estivesse descendo pelo ralo, sumindo, indo embora, sendo chupada. Tudo o que Elza queria era ser chupada até sumir.
Cada segundo de olhos fechados, de escuridão forçada, era preenchido com figuras, cores, sons, espetáculos de carne e osso dos quais ela jamais poderia fugir. A mente de uma mulher tomada pelo desejo não mede esforços, nem tamanhos, nem perigos. Metade da imaginação de Elza poderia facilmente levá-la direto para o caminho da morte, mas ela não se importava. Daria a vida por um minuto de realidade dentro de suas viagens.
Desenhava fantasias tão intensas e bizarras que chegava a misturar o que é real com cores, sons, formas e figuras sem nome, sem massa, só existentes dentro do sonho de quem está fora de si. Homens e coisas. Animais e cores. Objetos e formas. Cenários e sons. Odores e sabores. Tudo misturado em uma miscelânea de perversões que jamais, em nenhum momento de toda a história da raça humana, nenhuma mulher ousaria revelar.
Elza queria fazer sexo com deuses, com figuras inimagináveis, com homens que não nasceram ou que nunca poderão morrer. Ela desejava dores atrozes, humilhações impensáveis, prazeres primitivos e animalescos, enquanto delirava desenhando orgasmos que seu corpo jamais produzirá. Vinte homens, vinte mulheres, vinte dias e nenhum momento de paz. Ela queria tudo, de uma vez, no mais tardar do agora, do imediato, do já e gritava por isso com o máximo da força que seu corpo tinha.
Mas não era possível. O pingo de sanidade que lhe restava mostrava que tudo era ficção, que taras e fantasias são só desejos impossíveis, são criações que tomam forma em um mundo que não é o nosso. Respirava fundo, retorcia o corpo ao redor do cobertor e deixava que o tecido lhe service de parceiro. Depois ficava imóvel por algum tempo, curtindo um mini-orgasmo que não se aproximava em nada dos desejos que tinham tomado seu sono e, imediatamente, voltava a se esfregar em panos já encharcados.
Desejava ter vinte dedos em cada mão, no mínimo mais umas quatro vaginas, uns outros muitos buracos novos e inventados e, acima de tudo, desejava que todos lhe dessem prazer infinito. Elza estava prestes a desmaiar em delírios sólidos e profundos quando se lembrou que gozar é morrer e que o momento imediato à euforia do orgasmo é comparado ao alívio do nascimento. Ela não queria nascer, mas desejava a morte mil vezes por segundo.
Pobre moça, desiludida num mundo onde o que sobre para as mulheres são apenas os homens, com suas limitações e suas barreiras psicológicas. Homens que pedem 15 minutos entre uma e outra. Que não passam da terceira, que não sabem se concentrar, que não sabem muita coisa. Não havia tempo para aulas, cursos e conselhos no tesão daquele quarto. Elza odiava os homens de seu mundo, mas desejava que todos eles, sem faltar nenhum, adentrassem seu quarto e a matassem um milhão de vezes. Tudo o que ela quer é morrer de sexo, como se pudesse escolher o fim perfeito.
Hoje Elza não dorme!