Arquivo mensal: abril 2013

Sim, temos página!

Muita gente não sabe, mas o Memórias Utópicas tem uma página no Facebook! E os textos são postados antes lá, antes mesmo do meu próprio Facebook, ou do meu twitter ou de qualquer outra plataforma. Por isso, se você gosta do conteúdo, quer ler sempre ou quer simplesmente saber quando tem, ou não, texto novo, curta a página clicando AQUI.

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Por fim, quem ainda não leu, dá uma olhada no meu novo texto que foi para o site do Casal Sem Vergonha, falando sobre casais que não percebem que o relacionamento acabou. O texto está AQUI.

Alguém ligou pro seu irmão!

Eu tinha planejado uma infinidade de finais felizes para nós. Tinha pensado de a gente juntar uma grana e ir viajar pelos países da América do Sul, mochilão no quintal de casa, conhecendo de onde é que vieram as nossas cores, as nossas vogais e consoantes, o jeito como cozinhamos e tudo mais. A gente ia se beijar nas cachoeiras, transar no chão de terra e viver com os cabelos e os pelos crescendo em desordem durante uns meses. Mas não vai dar, porque pra isso a gente tinha que começar do jeito certo, e começamos do avesso e alguém avisou o seu irmão e agora acabou tudo antes de começar.

A gente podia simplesmente viver junto numa vida normal, trabalhando de segunda a sexta, encontrando amigos aos finais de semana, bebendo cerveja, dormindo no chão da sala, vendo a juventude ser jovem. A nossa juventude. A gente ia alugar um apartamento surrado em Santa Cecília, centrão de São Paulo, e viveríamos de metrô, comida de rua, discos de música alternativa, janelas abertas, calça jeans sem camiseta e calcinhas de algodão. Ia ser simples, mas bonito, só que não deu. Por que pra isso a gente ia ter que levar uma relação tranquila, que começa conhecendo a família, evolui pra dormir um na casa do outro e assim vai. Só que a gente pulou etapas e alguém avisou o seu irmão, ele tá lá fora gritando por você e acho que a nossa história não vai continuar.

Pensei também de a gente “meter o Marlon Brando nas ideias” e viver um daqueles amores fugazes, cheios de extremos e que, no fim, tá todo mundo saturado e terminam cada um pra um lado. Daqueles que começam com uma conversa de bar e no dia seguinte já estamos no telefone e depois a gente quer se ver todo dia e depois a gente transa sem parar e depois a gente começa a transar bêbado, drogado, testando coisas novas, e depois tem nós dois e mais alguém na nossa cama e depois a gente tem uma relação aberta sem querer e depois a gente se assusta com o que tudo se transformou e se separa com o coração machucado. Mas nem isso vai ser possível. Alguém chamou seu irmão, eu vou ter que fugir daqui e provavelmente a gente nunca vai se ver de novo.

A gente nem conversou direito e já chamaram seu irmão. Ao invés de a gente marcar de se ver amanhã, ou depois, você tirou a roupa e enquanto isso tinha alguém ligando pro seu irmão. E eu, que deveria ter dito que não, que era melhor sairmos outro dia para conversar, fui pra cima com tudo, bem quando seu irmão já estava vindo para cá. E ao invés de a gente fazer silêncio, parecíamos dois animais no cio gritando e urrando como loucos, e acho que foi por isso que chamaram seu irmão. E agora tudo que dava para a gente ser, não vamos ser mais, porque alguém ligou para o seu irmão, ele está lá fora gritando o seu nome e se eu não morrer hoje, quem sabe, um dia, quando você tiver mais que 18, a gente possa se ver de novo.

 

(inspirado por matt corby)

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A vida são fases

Tinha duas maneiras de se esconder: ficava em casa e dizia para si mesma que ali era um bom lugar e que precisava de um tempo sozinha, ou ia para a rua, fazia o que desse vontade, passava dos limites em todos os momentos e se permitia acreditar que precisava extravasar. A vida justa, certa e real nunca era a primeira opção. Vivia se escondendo nos extremos da clausura completa ou da exposição desmedida. Fazia questão de se explodir para depois se curar, sozinha, durante dias e dias, como se a maneira certa de cumprir os dias na terra fosse simplesmente se machucando e esperando cicatrizar.

Passou anos se equilibrando sozinha nos dois pratos da balança, até que me encontrou. E quando isso aconteceu não foi do jeito mágico e romantizado que as pessoas costumam pensar que são os encontros. Me encontrou num momento bem ruim, daqueles que ficam entre a vergonha e o profundo medo. Acertei-a com uma garrafada na cabeça, em cheio, sem metáfora ou fantasia. Uma garrafa de vidro, marrom, vazia de cerveja, transbordando de raiva e que errou a mira. O sangue desceu na hora, um pouco pra cima da sobrancelha, entre o olho e a orelha esquerda. Apagou no chão, na calçada toda suja e acordou no hospital, comigo do lado.

A briga findou, o cara fugiu, eu fiquei, corri pro hospital, assumi a garrafada, um pessoal que estava na rua garantiu que foi sem querer, não chamaram a polícia, fizeram a ficha com meu nome internando a minha namorada, que eu não sabia o nome ainda, mas que tinha documentos para mostrar-se. Era péssimo estar naquela situação, mas foi assim, nessa tentativa de homicídio sem querer que a gente se conheceu. E contrariando todas as previsões dos astros, a gente não se beijou, não transou, não se apaixonou e não teve um final de história de amor que começa de maneira inesperada. A gente ficou amigo.

E foi dessa amizade que ela aprendeu que os extremos são extremos demais para serem levados como estilo de vida. Doze pontos na cabeça fizeram-na deixar os cabelos crescerem bem mais. A chance de quase morte fez com que ela repensasse como aproveitar seu tempo. Meu olhar desesperado no hospital fez com que pensasse sobre o quanto tem valor, mesmo para um desconhecido. E então, num surto permeado por uma epifania de querer crescer mais do que podia, começou a misturar extremos no mesmo ambiente. Agora carregava as festas e os absurdos para dentro de casa, onde costumava se esconder sozinha.

Agora vivia nos extremos ao mesmo tempo, bebendo e dormindo na própria cama, ficando deprimida e encontrando o bar na cozinha de casa, se apaixonando e olhando as estrelas da própria sacada, trazendo amores e amigos para o mesmo universo. Depois de um tempo nesse imenso equilíbrio acabou se apaixonando, perdidamente, por uma mulher. Dez anos mais velha, mexicana que trabalhava com grandes empresas no Brasil, se sentia sozinha, queria um lar e um coração pra amar. E depois viveram juntas, marcando jantares com amigos as vezes, viajando as vezes, conhecendo as famílias aos poucos, fazendo planos aos poucos e escrevendo uma história aos poucos.

“A vida é feita de fases, Braz”, ela me disse. Isso foi na última vez que nos falamos, em 2011, antes dela decidir se separar e fugir para a Inglaterra com um cara que conheceu numa briga de bar. Ela, sem querer, acertou-o com uma garrafada na cabeça e, dessa vez, o roteiro seguiu como deveria ser…

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Bom era na nossa época!

A gente caminhava muito, o tempo todo, como se fosse obrigatório marcar o ponto de encontro em um local a quilômetros de distância de onde precisávamos ir. Mesmo longe, caminhávamos rápido, aproveitando o máximo da nossa juventude, dos músculos novos, dos ossos duros como pedras. Hoje, lembrando, tudo parece um nostálgico e cinematográfico slowmotion. Mas lá, na hora, era tudo muito efusivo, muito rápido.

As meninas com as batatas das pernas duras, subindo as ladeiras de sneakers e sapatilhas, com as polpas das bundas fugindo por baixo das saias e os cabelos tão leves, voando com o vento dos carros, o sopro da noite e o caminhar. Eram as criaturas mais encantadoras que eu conhecia. Muito lindas, muito lindas mesmo. Os rostos davam a sensação de que a vida era aquilo ali, ficar ao lado delas, estar com elas. Tinham perfumes com cheiro de tesão, cheiro de sacanagem pura, por diversão. A gente respirava o mesmo ar e nem os cigarros em riste nos dedos finos apagavam aqueles cheiros.

Os caras – me incluo nessa – sempre de calças jeans, todos usando Nike ou All Start nos pés, porque era pra usar, como uma regra implícita não discutível ou negociável. A gente caminhava com o peito cheio, as vezes com as mãos nos bolsos das jaquetas, como se fossemos perigosos, como se fossemos alguém. Ninguém nos via, eramos quase invisíveis perto daquelas meninas, mas para elas, brilhávamos como um Sol na meia-noite. Chamávamos atenção delas, elas chamavam nossa atenção e rindo muito, todos, juntos, falando alto e mostrando os dentes, a gente cortava a noite.

Não tinha copo algum. Afinal, quem carrega copos em uma travessia quase épica por cruzamentos, avenidas, semáforos quebrados e gente dirigindo com pressa? A razão da distribuição das bebidas era sempre de 1/3 do grupo. Se estávamos em seis, tinha duas garrafas, e o gargalo era nosso recipiente. Nunca latas. Nunca copos. Nunca misturas. Carregávamos o litro de vodca sem tampa para nos forçar a não deixar nada para trás. Não existia a opção de “guardar para depois”, porque o depois não fazia parte dos planos. Era sempre o agora, o já. A gente bebia demais.

Entrávamos por portas estreitas, com luzes coloridas, cada dia de uma cor, cada noite um corredor novo, cada noite uma aventura diferente. As festas nunca eram triviais, com gente comum em ambientes agradáveis. A gente tomou chuva, algumas vezes. Tomou tombo em outras. Tomamos choque em muitas. Era sempre uma aventura e sangrar um pouco fazia parte do pagamento para ser feliz. Eu não me drogava porque não dava tempo, já estava mais bêbado que um gambá antes mesmo da coisa começar a ferver, mas as meninas todas cheiravam. Os caras, alguns cheiravam, outros fumavam maconha, uns poucos tinham ácido. Era raro na época. Mas todo mundo bebia horrores. Ninguém era careta.

A gente dançava o que tivesse tocando, se apertava em diferentes combinações, as vezes transava, as vezes beijava, as vezes ficava só olhando. Ninguém tinha dono, ninguém sabia nada de monogamia, ninguém queria se prender. As meninas todas eram umas gostosas, a gente ficava maluco e elas sabiam disso. Os caras, uma porrada de cara meio magrelo, meio bolachudo, com as roupas com problemas de proporção e se sentindo homens. No fundo elas não sabiam o que estavam fazendo e a gente não sabia o que fazer com o resto. Mas a gente se divertia mesmo assim.

Depois de muito tempo, quando a noite já estava virando fim de madrugada, no meio do frio, a gente decidia que era hora de ir embora. “O ônibus volta a passar às 5h”, era frase religiosa para todo mundo. Ninguém tinha carro, ninguém tinha carta de motorista. Na verdade, nem isso, nem idade para tanto. A gente voltava abraçados aos pares, muito loucos, arremessando garrafas no meio das ruas vazias e silenciosas. Só pra ouvir o estalo do vidro no asfalto. Agora sim tínhamos copos, porque ninguém tinha vergonha de roubar das festas, das casas ou dos raros bares que a gente ia. “Copo foi feito para se levar do rolê pra casa, não o contrário”, dizíamos. Tocávamos campainhas quando havia casa, tocávamos interfones para acordar porteiros, tocávamos o terror à nossa maneira meio boba e infantil de viver.

Hoje o povo briga uns com os outros porque pegou o carro bêbado, porque não respondeu no WhatsApp, porque ficou olhando pra mina do outro cara. O pessoal se aperta dentro de roupinhas bonitas e se joga em filas com revista de segurança, cartão e comanda, consumação mínima, camarotes e listas VIP. Hoje o pessoal quer conseguir levar para o motel, quer comprar bebida cara e se sentir o rei do mundo segurando taça. Hoje o pessoal tem a Kesha, Lana Del Rey, Amy Winehouse e Rihanna, mas não presta atenção nas letras, não aprende nada sobre como a vida/festa/noite deve ser. Hoje a gente diz que se diverte, que fica muito louco, que passa dos limites, mas é tudo uma porção de merdas controladas e sem a menor graça. Bom mesmo era na nossa época, 17 anos de vida, quando a gente fazia tudo isso e ainda era quinta-feira.

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Açaí da vida

Nos primeiros sintomas reconhecíveis, o que acontece é aprender a se portar em solidão. Fazer as coisas sozinho, fazer companhia a si mesmo e ser suficiente. Come-se só. Caminha-se só. Fala-se só. Sonha-se só e acorda-se só. Inevitavelmente mergulhado num fim de assunto, nascendo naquele silêncio constrangedor pra vida toda. Começa-se o dia assim. Solidão de manhã.

Depois da tristeza, o choro e o caos, a calma vem tomar o ambiente. Aí vem a falsa compreensão, a aceitação e a calmaria. As coisas não parecem tão ruins, nem tão duras de se viver. Ao redor tudo parece estar voltando para o lugar, como se fossem coisas da vida voltando de uma balada, indo dormir cada uma na sua própria cama, sem bagunça, sem confusão. É o famoso “baixar da poeira”, sabe? Poeira tomando assento.

E depois dessa calma, que infelizmente dura pouco e tem cara de alucinação, vem uma loucura quase alucinógena. A gente pensa coisa que ninguém disse, fica imaginando possibilidades impossíveis como praticamente reais e vai misturando as coisas sérias às quais deveríamos nos agarrar com um monte de besteiras e maluquices. Rajada de vento. Bagunçando tudo den’dicasa e den’da cabeça e do coração.

A gente de repente ouve o barulho da mensagem chegando no celular, no Facebook e não tem nada lá. Essa loucura, com todas as coisas fora do lugar começam a trazer vozes e dizeres que ninguém nos disse. Nossa mente fabrica uma outra realidade, onde todo mundo nos quer dizer algo, onde todas as coisas apitam e chacoalham por nós. Som de assombração.

De repente tudo o que é preciso é sanidade. E ela que nos falta. Toda vez que o pensamento se alinha e as palavras voltam a se endireitar, no meio da razão, do pensamento lógico, o coração vem destruindo tudo, amolecendo todo o chão e tirando o alicerce. Coração sangrando toda palavra sã. Não sobre nada para se agarrar! Para ele, mesmo com toda a dor, ainda vale a pena o amor, a entrega, a loucura a dois e a viagem ao centro do que ninguém conhece. A paixão, puro afã!

Não há uma só pessoa que saiba explicar o que é a intensidade da paixão, pra onde é que vai o nosso orgulho, o amor próprio, quando estamos no meio desse turbilhão. No início pensamos ter encontrado a mágica do mundo, o enigma do milênio, um místico clã de sereia. Depois as coisas começam a desmoronar, ir mal, perderem a cor e a forma, como um castelo de areia contra o tempo. No fim só sobra o desejo da vingança, o rancor, a dor visceral e a fúria, ira de tubarão. Tudo uma grande ilusão, com certeza.

“O Sol brilha pra todos”, diriam, antes de dizer que tudo se ajeita e que vai ficar tudo bem. Na verdade, o Sol brilha por si. E por mais ninguém. A gente só se aproveita dele, mas ele não o faz por nossa causa. E aí, quando cai a ficha, estamos sozinhos mesmo, nem o Sol está ligando, e os dias começam a entrar nos eixos. E vamos saindo, aniversário de amigo, exposição de arte, show de banda alterna, e até coisas mais simples, tipo, bicicleta, passeio no parque, açaí. A vida, de carrasca passa a ser nossa guardiã, nos dá calma para ouvir o som dos pássaros, do vento, o zum de besouro. Nos tornamos um imã de coisas boas novamente.

Passam os dias, aprece outra pessoa, outros dias, outros planos, outros sorrisos, outras viagens, outros amigos, outras roupas, outros restaurantes, outros parques, outras ideias, outras posições, outras sensações, outras cores, outras vontades, outros planos, outros destinos, outra textura, outro sabor, outros olhos, outra voz, outros coração e, de repente, do fundo da escuridão, podemos cantar, junto com o Djavan, que “branca é a tez da manhã“, e vivermos felizes.

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A mágica e a decadência do cigarro

Hoje, no site do Casal sem Vergonha (http://www.casalsemvergonha.com.br) tem um texto meu sobre cigarro, relacionamento, os prós e os contras de fumar e de ficar com quem fuma. Como eles me disseram, por mais que eu seja muito contra, não posso condenar os fumantes, então o texto lá gira em torno do bom-senso e das políticas da boa vizinhança dentro dos casais para que o cigarro não faça tanto estrago.

Mas quem me conhece pessoalmente sabe que minha tolerância é bem baixa. Nunca disse para os meus amigos que eles deveriam parar, ou fiquei incentivando gente fumante a entender o quanto isso faz mal. Não precisa! Todo fumante sabe que está fazendo muito mal a si mesmo. O que eu sempre exigi foi no mínimo um pingo de respeito, o tal do “bom-senso” e entre os meus amigos sempre fui atendido na medida do possível. Afinal, sempre fui minoria vencida.

Mas não posso dizer que não concordo também com o lado icônico e romantizado do cigarro. Aquela coisa da elegância, do glamour de fumar, sempre me atraiu. Acabou que não me fez um fumante, mas um admirador de figuras que fumam com certa beleza. Por isso, aproveitando a maioria de amigos fumantes que me cerca, ano passado fiz um livro virtual sobre meus amigos fumantes e sobre como é a relação DELES com o cigarro.

Impressionantemente percebi que muito fumante é mais escravo do que apreciador. Por isso o nome do livro é MEU [PIOR] MELHOR AMIGO, afinal, o cigarro ajuda e atrapalha na mesma proporção, todo fumante. Não publiquei, não vende em banca e etc, simplesmente por falta de gente que acredite no projeto. Mas tudo bem, isso é o de menos. O importante é ele existir! Por isso, aproveitando a deixa do CSV, gostaria de te mostrar o meu livro. Você pode vê-lo em alta definição neste link: http://issuu.com/danielbraz/docs/meupiormelhoramigo, assim vocês podem ler as entrevistas e etc. Caso alguém pergunte, fui eu que fiz tudo, fotografias, diagramação, entrevistas e edição. Deu trabalho, mas valew muito e serviu para me tornar um pouco mais tolerante…

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Um vídeo com os segundos mais valiosos do mundo

Um vídeo com os segundinhos mais preciosos dessa vida. Tenho pensado muito nisso, em segredo, nas últimas semanas. Várias vezes me peguei viajando, pensando em cores e paisagens, perdido em ideias por muito tempo, até ser cortado pela voz da minha namorada com a pergunta de sempre: “o que foi?” e eu sorrio e digo que não é nada, que estava só pensando. Não é nada mesmo, mas vai ser. É um projeto daqueles que a gente começa sem saber como fazer, sem ter o conhecimento, nem a estrutura, mas mesmo assim, seguimos em frente.

Nos últimos 10 meses tenho sentido um movimento natural e involuntário ao meu redor, envolvendo a minha vida e a vida de terceiros. Olhando para trás, para o segundo semestre de 2011 e o primeiro de 2012, nenhuma vida poderia ter sido mais incrível do que a nossa. Nossa, minha e dos meus amigos, os melhores que se pode ter. E digo sem abrir mão de nenhuma briga, de nenhum episódio de falsidade, sem apagar nenhuma memória de como a gente brigou, discordou, se traiu, se matou, chorou e se doeu junto. Mas somos pessoas, somos ruins e bons por natureza, na medida certa, na hora certa. A gente erra, acontece.

Mas amigos são amigos e eu sinto falta dos meus. E eles sentem falta dos deles também. Eramos tão grandes, tanta gente, tanto telefone pra lembrar, tanto nome para colocar na lista, que as vezes ficava difícil ser amigo de verdade, fazer parte da vida, entender os sentimentos, contar e ouvir segredos, dar o ombro a quem precisa. Mas a gente estava junto e isso bastava, ao menos para mim. Quantos casais a gente não formou e destruiu, quantas viagens a gente não planejou e esqueceu de tirar do papel, quantas outras a gente nem planejou e já foi vivendo aos trancos e barrancos. Os lugares que a gente viu ninguém mais vai ver como nós.

Até pensei em citar os nomes de todos, mas eu ia acabar esquecendo de muitos, então me reservo ao direito de só falar dos que me ocorreram agora e de alguns líderes. Sim, líderes, porque toda turma tem um chefe, um cara que decide, que responde a pergunta “pra onde a gente vai?” e não adianta viver de ilusão e dizer que não era assim, todo grupo tem um líder. A gente tinha vários! A gente, o nosso grupo, a nossa bagunça mal organizada, se é que havia alguma organização, tinha muitos líderes. E eu sinto falta desses, e dos outros, os que não se impunham, mas também não ficavam omissos, que eram todo o resto. Eu sinto falta dos rostos, das histórias, dos cheiros e das vozes de Natálias, de Guilhermes, Fês, masculinos e femininas, de Bruno, de Henrique, de Vicentes e Vinícius, plurais ou singulares, de Kauês, de Karens, de Karlas, e todos os outros Ks que por ventura existiram. De Juliana Rainha, eterna “dona do rolê”, de gente que não aparece mais, como Luiz, como Jamile, como Mameli, que nunca mais volta.

A gente existiu como grupos que existem fadados a acabar e eu sempre soube. Todo mundo sempre soube. A gente dizia “olha o tamanho desse rolê. Isso não vai durar”, e durou o que deu. O que a gente aguentou. E aí depois uns sumiram, outros casaram, outros se foderam, outros fugiram, e outros vieram para limpar a bagunça que a gente deixou pra trás. Separou tudo, rejuntou tudo e nessa parede de azulejos de cores mil nunca mais vai ter simetria. Eu acho. Nunca vi um grupo se juntar, se reerguer, porque as vidas seguem, florescem e mudam, e aí o encaixe já não rola mais.

Por isso, assim como fiz alguns anos atrás, quando escrevi “A incrível história de todos nós” – num surto de uma saudade incontrolável de Mário, Ruivo, Hola, Marcela, Juh e Fê – uma música que nasceu já contando o que não existia mais, queria uma maneira de guardar no infinito as memórias das pessoas que viveram esses 12 meses das mais absurdas fábulas que uma juventude pode viver. Assim como o projeto do livro dos fumantes, que muitos – pra não dizer quase todos – participaram, quero poder usar a carinha de vocês mais uma vez. Só que agora não vai ser só para mim, vai ser por e para todos nós. Quero prender alguns segundos de nós, sem fala, sem pose, sem filtro, só o real, num vídeo com cara de máquina do tempo.

Um vídeo, uma música, as pessoas certas nos lugares de sempre, no Poli de sempre, no Espeto de sempre, ou no que restou da memória dele, nas casas de sempre, nos carros de sempre, com os mesmos sorrisos, os mesmos violões e as mesmas vontades. A gente não ficou tão diferente assim, vai? Acho que o que acontece é que a euforia simplesmente acabou, as drogas já não são novidades, as bebidas já não impressionam e as festas já não estão lotadas de “nós”, e sim de “eles”, outras galeras, outros amigos, outros rolês. Então, só pra lembrar do que já não existe mais, hoje, oficialmente, eu convoco todo mundo (e vocês sabem BEM quem é e quem não é) pra me emprestar uns segundos da vida. Eu vou ser, literalmente, eternamente grato!

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O corpo da Sensação

Cheguei, cansado, com as malas mais pesadas do que no dia da partida, e atirei tudo ao chão. Sacolas, malas, presentes, fotografias e câmeras, fiquei só comigo, que já peso bastante. Não fiz questão de desfazer as malas para ser prático, mas para libertar os ares que a gente traz de outros lugares. As nossas roupas, nossos objetos, nossas solas de sapatos, trazem coisas de outros lugares. A gente não vê, mas esses ares se agarram a tudo que não é liso e viajam, vêm conosco, mudam completamente o nosso lugar de estar com sua presença invisível, mas inegável. Viajam nos pelos do corpo, também, esses novos ares.

Sentado no tapete, no centro, com as muitas roupas espalhadas ao redor, plásticos, papéis e panos, todos em círculo, comigo no centro, sentado, olhando, deixando que tudo saia de onde tem que sair e se instale onde tem que se instalar. Nunca se deve “bater” ou “limpar” roupas que chegaram de viagem, é uma perda irreparável de espíritos. Sentado ali vi acontecer o que há muito se tornou ritual para mim, mas que pouca gente aproveita: o nascimento de uma nova e colorida Sensação. Ineditismo em forma de corpo.

As pessoas voltam de viagem e a maior preocupação que têm com as roupas é em quando elas voltarão a ficar limpas. Ignorantes seres, somos nós, não? Demorei muito a aprender que, fazendo isso, perdia muito do que poderia me formar como pessoa. Hoje não mais. Hoje sei do surgimento da Sensação. E escrevo em letra maiúscula porque essa sensação é um Ser, é uma coisa, pra não dizer uma pessoa. É um corpo que se materializa de vapores, pequenos grãos de terra, poeira, cheiros e cores. Vai se formando todo colorido, se arredondando e rodopiando no ar, preenchendo um espaço vazio com alguma coisa quase vazia de matéria, mas cheia de significado. É uma Sensação, substantivo feminino, uma moça, um corpo de mulher.

E eu sentado ali, no meio das roupas todas espalhadas, vendo aquele corpo transparente se formar na minha frente e ansioso pelo final. Amarelo, azul, cor de laranja, lilás, preto, branco, cor de rosa, fúcsia, verdes e um monte de outras cores que eu ainda não sei o nome, rodando e crescendo. Estava diante de mim a minha Sensação. A do dia, a da semana, não importa. E ela me abraçou quente, pintando minha camiseta de outras manchas, e sentou-se em frente, na mesma posição. Eu toquei o meio de seu peito, onde deveria haver um coração, e ela fez o mesmo comigo. Nesse momento tudo escureceu de repente, como se apagassem a luz. É o que geralmente acontece.

Fica tudo escuro, preto, na verdade, com os contornos das coisas desenhado em neon e prateados, em torno de espirais coloridas e espécies de bastões, que ficam pelo ar, desenhando formas geométricas de simetria perfeita. Dura alguns minutos e depois, lentamente, as cores vão correndo para dentro das gavetas, dos cantos do quarto, por debaixo da cama e pra dentro dos bolsos das roupas. A mulher de pó e lembranças vai se dissipando, já não imita seus movimentos e vem te abraçar, num gesto de respeito e entrega tão intenso que é possível abraçar de volta e sentir um corpo ali, quente, que tem textura, que tem massa e conteúdo.

E foi o que aconteceu. Fiquei no centro do tapete abraçado a uma Sensação que nasceu depois da minha chegada, fruto das minhas memórias e experiências. Ficamos ali, grudados, trocando calores, por um tempo que não pude precisar e depois desapareceu. No chão, das cores que deveriam ser, todas as roupas sujas. Agora sim, estavam somente sujas. Não dá para confundir sujeira com registros de experiências. Quem vem à minha casa sem avisar encontra meu quarto todo cheio de roupas jogadas, e sapatos pelos cantos e cobertores e lençóis sem formato. É que eu não desperdiço as Sensações que adquiro por aí, pelos dias. Trago todas para casa e as abraço, como quem pede a um amigo que não vá embora. Eu não perco absolutamente nada do que eu vivo.

Você também não deveria perder, veio tudo com você, nos teus cabelos, nos teus pelos e nas tuas roupas…

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