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I can feed your dirty mind

E ela me dizia que eu escrevia tudo o que ela queria viver. E ela me dizia que eu escrevia resumos de sua própria vida. E ela dizia que eu traduzia sentimentos que nem ela mesma sabia explicar. E ela dizia um monte de merda desse tipo porque não tinha sobre o que conversar comigo. Nunca tinha. Eu queria falar sobre qualquer coisa, sobre o pessoal da sétima série que estava fazendo uma festa com cerveja e dark room no final de semana, ou sobre aquele filme novo sobre as múmias, mas ela não queria falar nada disso. Eu tinha 13 anos, estava muito interessado em escrever para ler mais tarde, só para tentar traduzir as coisas que eu pensava, mas ela achava que havia sentido naquilo tudo.

Eu escrevia que tinha gente que vivia melhor sozinha, e ela se sentia descrita ali. No outro dia eu escrevia sobre pessoas que amam até a última gota de sangue do parceiro, e ela se dizia descrita naquelas linhas. Tudo o que eu escrevia, não importava o quão contraditórios eram os textos entre si, ela dizia que retratavam seus dias. Era chato. Eu queria ir pra casa, jogar vídeo game, encontrar meus amigos da rua, sentar na calçada e sentir o cheiro de noite se aproximando, mas ela não. Ela queria falar de amor. Mais do que isso, ela queria falar de paixão e tara, que é coisa mais complicada ainda. Queria falar de corpo, mente, alma e intenção, enquanto tudo o que eu queria saber é o que ia ter no jantar e se ia passar filme bacana na Tela Quente.

Tinha vezes que eu escrevia uns duzentos textos no mesmo dia. Eu escrevia sem parar, ficava com os dedos tortos, com as juntas doloridas de tanto quicarem no teclado. Falava sobre a morte, sobre o medo, sobre o mundo do lado de lá, sobre coisas muito profundas, sobre sexo, sobre o que eu achava que era fazer sexo, sobre ouvir música em volumes baixíssimos, sobre estar gostando de alguma garota da minha sala e sobre tudo o que havia depois do tempo. Publicava tudo com erros ortográficos grosseiros, errava vírgulas e pontos (faço isso até hoje) e mesmo assim, com sentimentos contraditórios e uma avalanche de textos, ela fazia questão de ler tudo, gostar de tudo, se identificar com tudo e me dizer isso. Ela dizia, repetidamente, que eu alimentava a mente suja dela.

Eu não ligava muitos para ela. Eu me sentia emocional e fisicamente muito atraído por uma garota da minha sala e estava muito preocupado em conseguir ficar amigo dela, parecer importante para ela e nunca dei muita importância para minha dedicada leitora e admiradora. Mas uma vez eu estava no MSN e ela apareceu. As aulas tinham acabado de voltar das férias do meio do ano. Me disse que queria me contar uma coisa importante. Antes que eu pudesse perguntar o que era ela já estava me explicando que se sentia muito atraída por mim, que tinha certeza de estar apaixonada por mim e que queria me ver, que viria até minha casa e que nós poderíamos conversar sobre alguma maneira de aquilo dar certo. Eu falava com ela usando respostas evasivas e monossilábicas de um adolescente disperso. Isso porque estava vendo desenho na TV, mas no fim das contas ela percebeu que não ia virar nada.

Mesmo assim ela continuou gostando muito do que eu escrevia. Foi a primeira vez que alguém do sexo oposto literalmente se ofereceu para mim. Eu era imaturo num nível infinitamente babaca e não aproveitei, nem por um segundo, a chance que estava tendo. Eu escrevia sobre mulheres de meia idade sendo abandonadas por maridos alcoólatras, escrevia sobre meninas de 10 anos que conseguiam alterar o curso de cachoeiras e sobre homens barbados e deprimidos que passavam a vida encardindo cuecas em frente à televisão, mas não conseguia identificar o verdadeiro milagre ocorrendo diante da minha tela do computador. Eu não sabia o que meus textos significavam, eram quase psicografias. Enfim. O nome dela era Marisa, lembro até hoje. Ela lia todos os meus textos, dizia obscenidades para mim, me mandava fotos eróticas e era a mãe de um dos meus melhores amigos de escola na época. Acontece.

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