Um cachimbo de bolhas azuis

Um cachimbo, simples assim. Um cachimbo que soltava bolhas ao invés de fumaça. Bolhas azuis. Fumava quando precisava de vida, quando estava tudo turvo, quando os caminhos já não tinham direção. Fumava porque fumar bolhas é respirar sonhos e sonhar nunca é demais. Eram bolhas da cor das latas antigas de cerveja Antártica, da cor da Azul Linhas Aéreas, da cor da Pfizer, da cor dos antigos ônibus de Santo André. Eram bolhas azuis e ele era da cor de todo mundo.

E fumava na rua, caminhando, respirando e pensando, porque fumar em casa pinta as paredes e nem todos os cômodos ficariam bem se fossem azuis. Fumava na rua pintando o céu, pintando a luz da Lua, pintando a cor do vento. Enquanto fumava pensava sobre as coisas ruins de se viver correndo daquilo que nos cerca. Fumava para fugir das responsabilidades, das obrigações de todos os dias, das coisas que tinha de fazer, mesmo contra a vontade, mesmo sem querer. Os outros também faziam coisas contra suas vontades, mas não fumavam.

O dia nublava, a temperatura caía, o Sol ia embora e ele saia com o cachimbo para o mundo. Não queria a casa, não queria a rua, não queria o centro, não queria a periferia, não tinha destino. Mas fumava para encontrar algum. Azul como um esmalte fosco da moda, azul como uma tampa de caneta Bic Cristal. Azul como uma nota de dois. Bolhas tão azuis quanto contas em uma guia de Iemanjá, tão ciano quanto um jeans novo. E a cada bolha, um dente, a cada dente, um pedaço de corpo, a cada pedaço, uma alma inteira, e a cada alma, um novo recomeço. Um trago, uma existência. Se renovava a cada respiração, a cada inspiração azul seguida de uma expiração mais azul ainda.

Apertava a respiração, limpava os pulmões, tentava relaxar e dormia muito. Dormia dez, doze horas por dia, para tentar acordar em paz, assumir um papel que não era seu, fazer coisas que não eram suas, alimentar sonhos que não tinha, desejar coisas que nunca quis e tentar viver em sociedade, sendo parecido, sendo semelhante. Na verdade era imenso, maior que tudo, maior que todas as coisas, do tamanho de uma consciência, que se expande, que cresce a todo momento sem parar. Era do tamanho que quisesse ser, mas se concentrava num corpo simples, humano, porque era mais fácil. Enquanto se apertava em uma figura limitada e pequena, levava sua existência para outros níveis em forma de bolhas, pequenas e brilhantes bolhas. Bolhas azuis, subindo em direção ao céu, na hora em que ninguém via. Ele as chamava de ideias…

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