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“Se for pra morrer, que seja trepando”

Pro fim do mundo ela queria só sexo e algumas garrafas de vodca. Se fosse o fim mesmo, se fosse fogo, água, escuridão, oblívio, qualquer aniquilação, não restaria ninguém para usufruir dos estoques de comida, nem de armas, nem de nada. Se viesse mesmo o fim, a galope, a nado, voando, ou num sopro de briza do mar, não haveria estoque suficiente para nada. Então decidiu diferente: “Se for pra morrer, quero que seja trepando!”

Dentro de casa o estoque alimentício era basicamente duas dúzias de garrafas de bebidas alcoólicas, rótulos coloridos, formulações diversas e tamanhos variados. Copos por todo o apartamento, luzes de natal presas com fita crepe na sanca, cortinas amarradas para o alto, janelas escancaradas e a Lua iluminando o que dava, lá do lado de fora. Se fosse acabar, que o fim viesse de vista panorâmica, em um ambiente aconchegante e animado.

O figurino para o fim do mundo deu mais trabalho. Decoração é simples, todo mundo gosta de velas, luzes de natal, tecidos compridos e garrafas com design sensual. Mas a roupa não é tão banal assim. Como é que se escolhe a roupa da morte? Que tecido você escolheria para ir para o caixão com você? E se não houvesse caixão? E se não houvesse nada depois do fim? O traje perfeito para a festa seria o mais simples. “Vestirei brincos, pulseiras, um belo colar e perfume. Apenas!”, definiu.

Na lista de convidados só os melhores e os piores. Medianos não merecem um lugar na última festa. As melhores amigas, as mais fiéis, as mais bonitas, as mais animadas. Os melhores amigos, os mais excêntricos, os mais carinhosos, os mais atenciosos e os mais inteligentes. Os ex-namorados, as amantes dos ex-namorados, os inimigos, as inimizades, as mulheres mais invejosas, os caras mais cafagestes. Todos, os melhores e os piores, juntos para morrerem no mesmo lugar.

Às 23h chegaram todos, juntos, como se fossem uma família só, uma única excursão para o apocalipse. Foram entrando, deixando as roupas pelos cantos, largando sapatos, vestidos, camisas e lingeries por todo lado. A fila que se esticava pelo corredor cumprimentava a anfitriã com um beijo na boca, de língua, apaixonado e sincero. Homens e mulheres, todos a beijaram da maneira mais honesta que podiam, como se fosse um presente em troca do convite. Com o apartamento cheio o lugar tomou cara de festa. Todos nus, bebendo mais do que deveriam, conversando sobre o fim do mundo, sobre o fim de tudo e sobre quem queriam comer ao redor.

De repente as luzes de natal se apagaram, o vento apagou as velas, a música silenciou e a Lua, enorme e azulada, se tornou a única iluminação do lugar. Então ela gritou: “É o fim!” e todos levantaram seus copos e taças, aos gritos, sorrindo largamente e desejando um “Feliz Fim de Mundo” para o resto dos que estavam ali. Sem aviso prévio começaram os beijos, as mãos e grupos e pares se formaram aleatoriamente. Ela caminhava pelos cômodos escolhendo integrantes já ocupados para se dirigirem ao quarto com ela. Afinal, a anfitriã pode escolher com quem quer passar seus últimos minutos de vida.

Ao fechar a porta o quarto continha, além dela, seis rapazes e duas garotas. Eles se entreolharam, fizeram a matemática rápida dos grupos e se atacaram como se iniciassem uma briga. Os ponteiros giravam muito rápido e a cada minuto do tempo normal duas horas corriam no tempo dos relógios. Eram gritos, urros, sussurros e gemidos misturados entre vozes que não se calavam mais. Todas as combinações foram exploradas, todos os descansos ignorados, todos as piores perversões executadas repetidas vezes até atingirem a exaustão.

No tempo normal a experiência já passava de seis horas de duração, sem interrupção, enquanto, no relógio da parede, o mês já tinha mudado. Jogada no chão ao pé da cama, como se fosse um cadáver de olhos abertos, ela tentava se lembrar de como aquilo tudo tinha valido a pena. Mas ainda estava viva, estava pensando, estava vendo a Lua lá fora, estava vendo os outros respirando lentamente ao seu redor e sentia o cheiro do próprio perfume misturado a outros oito odores distintos.

Então tentou se levantar. As pernas moles não respondiam da maneira esperada, os braços já não sustentavam o peso do corpo e uma ardência incômoda fazia com que suas virilhas e tudo que era pele ao redor parecesse pegar fogo. Depois de muitas tentativas ficou de pé e caminhou até a janela. Cambaleante, ela viu o mundo escuro, iluminado por algumas chamas esparsas e uma Lua imensa no céu. Tentou pensar sobre o que estava acontecendo, mas antes que pudesse concluir qualquer coisa, um braço de homem a agarrou pela cintura e a arremessou de volta para cima da cama.

Quando a visão formou o cenário do quarto novamente percebeu que a porta estava aberta e muitos dos outros convidados caminhavam em sua direção. Vários homens e mulheres cercaram a cama olhando seu corpo desfalecido misturado nos lençóis e sorriram. Uma garota quebrou o silêncio e começou a gargalhar. Os outros a seguiram, levantando novos copos com novas bebidas. A mesma garota subiu na cama, abriu lentamente as pernas daquele corpo quase sem ação e concluiu: “o mundo ainda não acabou, querida!” e a orgia tomou forma novamente, mas dessa vez, concentrada em uma única pessoa.

Ela sentia línguas lambendo suas pernas, seus dedos, dentes mordendo suas coxas, seus mamilos, mãos puxando seus cabelos, seus braços, dedos procurando caminhos alternativos e, quando uma voz masculina sussurrou em seu ouvido que aquilo só acabaria quando o mundo acabasse junto ela respondeu com a última força que lhe restava: “Ainda bem que não vai acabar…” e nunca mais houve Sol na janela depois disso.

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