Eu a queria mais que tudo no mundo (parte 1)

Nos primeiros dois meses era só admiração, como se eu tivesse conversando com algum famoso cuja carreira me inspirasse ou alguém da música cujos discos eu cansei de ouvir e, de repente, estava falando comigo sobre como foi o dia, sobre amenidades e contando tudo sobre o mundo da fama, sobre o lado de lá, sobre como as coisas realmente funcionam. Eu era fã dela! Mas como não era famosa, nem prestigiada, nem ninguém muito mais importante que a maioria dos que vivem no mundo, comecei a perceber que a vida, até em seus movimentos mais simples, pode ser incrivelmente interessante. Ela era incrível e interessante, o tempo todo.

Depois de um tempo a intimidade cresceu e eu já não achava a vida dela coisa de outro mundo. Era incrível, mas era possível. Era uma coisa que eu não vivia, mas conseguia acompanhar como quem assiste a um filme baseado em fatos reais, ou quem lê um livro biográfico um pouco suspeito. Era muita emoção, muita mudança, muita novidade o tempo todo. Foi mais ou menos nessa época que eu comecei a pensar que talvez eu estivesse cagando para o quão legal era a rotina dela. Eu queria mesmo era saber dela, que atitudes tomaria, aonde iria, o que faria e foda-se se tinha ido viajar, se estava trabalhando muito, se estava desempregada, se estava de pé ou sentada. Foda-se, eu queria saber o que ela pensava, quais eram seus medos, seus planos e seus desejos. De repente passei a desejar ser um de seus desejos.

Aí a gente passou a falar menos de coisas externas e as conversas se tornaram cada vez mais íntimas. Não falávamos de trabalho, falávamos de sonhos. Não falávamos de amigos, falávamos de segredos. Não falávamos de cidades, falávamos de restaurantes. Não falávamos de amor, falávamos de sexo. Trouxemos toda a universalidade pra dentro de uma caixinha de fósforos e ficávamos cavucando nossos sentimentos a fundo, cheios de perguntas e histórias complexas enquanto os dias passavam como eram e como sempre foram. A vida já não parecia tão impressionante. A dela ou a minha, tanto fazia. O mundo real foi substituído por suposições e achismos absurdos que preenchiam todo o tempo que a gente passava conversando.

Depois que chegamos a esse ponto, meio sem querer, ela começou a se interessar pela minha vida. Porque não tinha muitos eventos, nem muito dinheiro, nem muito glamour, mas exatamente por isso era tão intensa. Ela se interessava por sentimentos como a sensação de liberdade em caminhar à noite, de madrugada, vendo gente pelada correndo pelas ruas. Ela se interessava pelas vezes em que segurei a respiração mais tempo do que o saudável e fiquei vendo cores trocadas e formas imaginárias enquanto voltava a respirar. Ela queria saber de onde eu tirava ideias pra escrever, pra desenhar, pra fotografar, pra  fazer músicas, pra ser eu. Ela queria se jogar dentro da minha vida e, de repente, ela desejava fazer parte de mim, nem que fosse por algumas horas, só por alguns instantes.

“Quer ir pra minha casa?” ela me perguntou, uma vez, quando estávamos tomando café e conversando sobre como é que faz pra lidar com a morte de alguém que você nunca conheceu, mas sempre quis conhecer. O assunto, naquele momento, pareceu uma justificativa honesta para não perder a chance. A gente podia morrer, do nada, e viveríamos nessa eterna dúvida. “Quero!” respondi, sorrindo nervosamente. Depois disso o medo tomou conta de mim, assim como dela também, porque a conversa começou a ficar estranha até dar lugar a um silêncio incômodo e agudo. “A gente precisa encher a cara!”, ela disse e eu concordei, afastando a xícara e buscando ao redor um lugar onde pudéssemos comprar garrafas, doses, coisas alcoólicas em geral.

Encontramos um bar e levamos uma garrafa de pinga vagabunda. Na metade do caminho abrimos a tampa para cheirar e nunca mais paramos de beber. Virávamos doses puras que faziam o estômago querer devolver tudo a todo momento. Era noite, fazia frio, não tinha ninguém na rua e a gente gargalhava alto de nervoso e de bebedeira. Nos beijamos cheios de erotismo dentro do elevador e, pensando agora, nosso beijo parecia mais um conjunto de lambidas mútuas que erravam – e muito – o alvo. Lambendo os rostos um do outro, deslizando as mãos por tudo quando é lugar, até atingir o andar. Quando ela girou a chave do apartamento eu vi a janela enorme para a cidade noturna me hipnotizando. Fiquei um tempo indeterminado perdido no horizonte até me virar e dar de cara com ela completamente nua, de pé sobre a mesa de centro, me olhando e sorrindo: “eu quero que você me admire antes de qualquer coisa”, e me mandou sentar no sofá.

Dali pra frente eu comecei a viver uma das noites mais sexualmente intensas da minha vida…

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